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sexta-feira, 28 de maio de 2010

Calangos do Tio Candim #

Fevereiro, 2004


Arte: Luciano Meneghite

Levanta do toco, cumpade,
num garra de trançar cesta,
cê quando senta no toco
dá de cantar coisa besta.

Eu quero é cantar calango,
debaixo calango dá,
eu quero é jogar de beque,
que é a defesa do lugar.

Totonha não quer que eu bebo,
Chiquinha compra e me dá,
desaforo de Totonha,
de querer me governa.

Ah, sim, mas não é por mal!
Ah, sim, mas não é por mal.
É meu tino musical,
é só meu tino rural.

Alguém por aqui me dá nova
dum amor que já foi meu,
o dono andava sumido
agora já apareceu.
Cabra que tiver com ela,
se for home de opinião,
sabendo que eu tô de volta,
não larga mais o facão.

E se for um poeta
que não tenha medo da morte
nem de morrer faça conta?
Se quer morrer feito macho
um larga as faca de ponta.

Boi erado é boi de coice,
boi mais novo é boi de guia.
Nunca centrei bola alta
porque o beque rebatia.

Buraco na pedra é loca,
gancho no pau é forquia,
peguei na perna da dona
 pensando que era da fia,
perna de dona é asprenta,
perna de moça é macia.

... Ih, Trajano, eu quais que afoguei, Trajano!
Quando sartei fora d’água já tava perdendo o forgo,
a visão ficando binubrada,
os ói vermeio que nem uma baeta.
Trajano, Trajano!
E os meus ói que ficou tudo cheio de areia!

Há uma vaca no Rio Preto
que parece que tá encantada,
tem três dia não come,
não tá gorda nem magra.
Lá em baixo essa vaca deu um berro,
arrebentou cerca de arame
e quebrou um portão de ferro.

Cavalo velho eu acudo
com rapidez e abundânça
depois que atola no brejo
leva tudo as traficança.

Quem quiser me dar comida,
dê no prato carculado,
se for bão eu como tudo,
se não for deixo um mocado.

Atravessei água na grota
numa bica de bambu.
O bambu apodreceu,
apodreceu que esfumou;
mas a vazão continua
porque a água acostumou.

Chuva no fim do ano
às vez é sorte aparente;
tem o infeliz que não planta
porque comeu a semente.

- Tio Candim, meu preto-velho,
Tio Candim e sua mística,
cantando era prato feito,
num banquete de lingüística.

Lá na roça, os mais antigos,
eram incultos no falar,
mas há muito que hoje é certo,
nascido errado por lá...

Gilberto Freyre (Casa Grande & Sensata) chamou de “Rurbano”, as sobrevivências rurais no espírito urbano e o professor Eduardo Portella, escritor e professor emérito da UFRJ, especula se o atual expansionismo da mídia eletrônica, com seu poder homogeinizador e suas fábricas de sonhos, não vem alterando o peso e o alcance desses componentes culturais. É quase certo que sim. Mas é pra frente que se anda.
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(Publicado no LEOPOLDINENSE de 27.02.2004)

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