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segunda-feira, 31 de agosto de 2009

Roberto Carlos

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Sábado, 11 de julho, assisti na TV ao show do Roberto Carlos. Disposto a falar das emoções que vivi diante do que vi no Maracanã, devo dizer que nunca estive entre os fãs de carteirinha do Rei. Jamais comprei um LP ou um CD de Roberto Carlos, embora possua alguns, ganhos de presente. Nunca fui a um show de Roberto Carlos. Sou, entretanto, capaz de cantar, sem lapsos de memória, pelo menos umas vinte canções dele. Se abusar, arranho algumas delas ao violão.

Agora, minha opinião: nunca houve, e dificilmente haverá no mundo, um cantor que haja conquistado o carinho e a devoção que Roberto Carlos conquistou de seus admiradores. E... eu estou entre estes.

Não é só por ter sobrevivido, fisicamente, aos Beatles que Roberto emplacou mais sucessos do que eles. Não, ele emplacou mais sucessos do que os Beatles porque ele é muito bom de serviço. Um baita compositor, um baita letrista popular. Se não é fenômeno de voz, é fenômeno de empatia com o grande público. Exatamente isto, um raro fenômeno de empatia com o público.

Foi com retravada emoção que o vi repassar, a um Maracanã repleto, as diferentes fases de sua carreira e seus velhos sucessos. Tudo na medida certa para nos fazer dormir, um pouco depois, sob o porre benigno de nossas melhores recordações.

Cada canção de Roberto é um retalho, uma tirinha colorida de nossas vidas. De versos simples, que não pedem para aparecer, a canções do Roberto nos impregnam o espírito como delicada colônia acima dos perfumes mais nobres.

Versos que marcaram lugar no teatro de nossas existências entraram em campo e nos arrastaram àqueles muitos lugares adolescentes onde pela primeira vez nos tocaram. A uma praia bucólica do Espírito Santo, a uma cidadezinha do interior de Minas, a um baile de formatura num clube da Tijuca. Onde mais? O Roberto, de repente - ou seja, no correr da vida – veio se afirmando como o amigo de fé, o irmão camarada de cada um de nós!

Curioso como ele construiu dois Robertos distintos. O Roberto cantor e o Roberto homem, cidadão de Cachoeiro de Itapemerim. O segundo, ninguém pode dizer que conhece bem. É um homem discreto, de vida reservada. Já o outro, o Roberto Carlos cantor, este pertence ao Brasil, ao público, ao mundo.

O truque para que assim seja parece estar no sorriso providencial que ele inventou para separar um Roberto Carlos do outro. Ainda não nasceu repórter capaz de obter uma resposta redonda sobre fatos da vida particular do Roberto Carlos. A pergunta não é repelida... Isto não, educação sobra no homem. Mas entra em cena aquele sorriso de separar Robertos: hé,hé,hé...
O sorriso maroto pulveriza a intromissão e... vida que segue.

Roberto Carlos está aí, firme e forte, para continuar habitando a gavetinha nobre de nossas lembranças, nossas encruzilhadas da vida, nossas escolhas, nossos risos e nossas lágrimas. Mais para frente – como Deus é grande, nós continuaremos vivos e o Rei também – certamente voltaremos a encontrar nosso querido seresteiro, olhar para trás e dizer que o nosso amor nada mudou.
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(Publicada em 16.07.2009 em http://oglobo.globo.com/pais/noblat/mariahelena/)

domingo, 30 de agosto de 2009

Sarney Sobreviverá

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Junho, 2009

Anteontem, terça-feira, 16 de junho, o Blog do Noblat transcreveu impressão cética da jornalista Renata Lo Prete, editora do Painel da Folha, sobre a crise do Senado. Disse ela:

Nem mesmo os poucos senadores ativos na formulação de alguma resposta aos novos escândalos acreditam que José Sarney (PMDB-AP) venha a ser apeado do comando da Casa. Não obstante a multiplicação de parentes pendurados no quadro de funcionários e outros embaraços nas costas do presidente do Senado, o caso dos atos secretos envolve gente (inclusive da oposição) o bastante para garantir sua permanência.

Quase todos apostam, porém, que a sobrevivência de Sarney no cargo se dará à custa de um alheamento ainda maior do cotidiano do Senado e de uma dependência cada vez mais explícita do esquema de poder gerenciado por Renan Calheiros (PMDB-AL)”.


É lamentável que a anemia ética do Senado haja feito dele um doente grave na UTI da paciência nacional. Naquela casa parece não haver mais espaço para a decência. A probidade tornou-se a grande ausente e a vergonha nos semblantes uma dúvida repleta de fundamentos.

Chegamos a tal ponto de degenerescência moral que fica difícil imaginar remédio para o impasse. Dá para pensar em coisa como o alcance do ponto de ruptura institucional. Ruptura que talvez não se dê apenas em razão da conjuntura benigna, na política e na economia.

Já não sobram dúvidas nas ruas de que o Senado apodreceu, apenas falecendo às instituições o caminho incruento de seu descarte por imprestabilidade. O país seguirá dando milho ao bode de uma Câmara Alta convertida em baluarte da falta de compostura, da desonra, da esperteza moleca e da insolência crua na face dos brasileiros.

Locupletam-se por lá, à tripa forra, nossos Lordes de fancaria. Figuras lamentáveis que, instadas a explicar solércias nepóticas e alcances sobre dinheiro público, invocam cinicamente suas “histórias pessoais”. Que história pessoal tem o cavalariano astuto das circunstâncias, que jamais exerceu uma única delegação outorgada por compatriotas lúcidos? Em que dignificante história se socorre o lambari de enxurrada, o pau rolado dos profundos confins dos judas onde barganha mandatos que os de sua terra talvez não garantissem?

Os brasileiros de bem esperam do judiciário, que também não é santo, um urgente endurecimento de vértebras. Também do Ministério Público e da Polícia Federal. A nacionalidade pede socorro. O Senado é depositário dos laços seminais do nosso sistema federativo. Não podemos entregar esse paradigma da coesão brasileira aos vermes, como se faz nas exéquias a um cadáver.

Uma providência tem que ser tomada agora! O exemplo viciado vindo de cima é praga social que se espalha como fragmentos de uma explosão sobre o mar. Vira moda, vira mote, vira morte da virtude e do pudor. Vira sepultura do sentimento de pátria.
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(Publicado em 18.06.2009 em http://oglobo.globo.com/pais/noblat/mariahelena/)

terça-feira, 25 de agosto de 2009

Eu canto Minas Gerais

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Eu canto Minas Gerais
Desde que ainda menino,
Pisando o verde e metais,
Minas pra mim era um hino
De versos credenciais.

Me encanta Minas Gerais
Da claridade nos olhos
Das moças dos arraiais,
Do ferro entre os abrolhos
Do ouro nas catedrais.

Eu canto Minas Gerais
Dos colégios secundários,
Dos sermões dominicais,
Do barroco, dos rosários,
Das chamas nos castiçais.

Me encanta Minas Gerais
Dos domingos nas fazendas
E do gado nos currais,
Dos queijos, leilões e prendas,
Da nobreza sem sinais.

Eu canto Minas Gerais
Do frio da Mantiqueira,
Das flores nos cafezais,
Da cachaça bagaceira
Dos melros nos arrozais.

Me encanta Minas Gerais
Dos campos, matas e bordas,
Das vendas, das espirais
Do fumo de rolo em cordas,
Dos riachos nos quintais.

Eu canto Minas Gerais
Atalhos, trilhas e grotas,
Esses redondos e uais,
Do carro de boi, das tropas
E das ruas principais.

Me encanta Minas Gerais
Dos seresteiros da lua,
Das festas provinciais,
Do Zé Pereira nas ruas
E das Folias de Reis.

Eu canto Minas Gerais
Como quem canta toadas
Que já não se ouvem mais,
Numa viola chorada
Das Minas de nossos pais.

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(Publicado em 27.08.2009 em http://oglobo.globo.com/pais/noblat/mariahelena/ e no Jornal Leopoldinense)

domingo, 16 de agosto de 2009

Menores à Noite

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Agosto, 2009

Em edição recente o Jornal Leopoldinense, de Leopoldina, MG, publicou decisão judicial digna de destaque. O MM Juiz da Vara da Infância e Juventude da Comarca de Muriaé, Dr. Sérgio Murilo Paceli, determinou o Toque de Recolher, às 23 horas, em Muriaé, Rosário da Limeira e Laranjal, para menores de 18 anos considerados em situação de risco.

A decisão foi decorrência do alto índice de crimes envolvendo menores nas citadas localidades. Ao que parece é medida em caráter experimental, já que tem prazo para vigorar apenas até o final de agosto de 2009. Na execução se incluem representantes da OAB local, do Conselho Tutelar, do Comissário de Menores, Psicólogos, Assistentes Sociais e as Polícias, Civil e Militar.

Esclarece o Dr. Sérgio Pacelli que rapazes e moças que estiverem, por exemplo, em festa regularmente organizada com segurança e dentro da legalidade, não serão abordados. Que a medida tem como objetivo jovens em situação de risco, desprotegidos, expostos ao uso de álcool, drogas e à prostituição.

Haverá condução especial à disposição da polícia e os menores apanhados em situação de perigo serão, de início, levados às suas próprias casas. Somente a partir da terceira vez que incorrerem em falta estarão sujeitos a enquadramento nas normas do Estatuto da Criança e do Adolescente.

A medida nos parece salutar e elogiável nestes tempos em que limites e disciplina por parte dos pais não parecem constituir o forte de uma juventude exposta à própria sorte, na sociedade licenciosa em que vivemos, com o crime ganhando terreno. Não é concebível que nossos adolescentes se percam na noite, praticando direção perigosa e vagando alterados pelas ruas da madrugada.

Culpar os pais não resolve. Uma estrábica filosofia de vida se afirmou no mundo ocidental. A chamada esquerda veio, através dos últimos tempos, granjeando simpatia nos espíritos democráticos ao colocar-se ao lado da quebra da disciplina - tida como apanágio dos dominadores da direita. Vale dizer, se os poderosos dominam os fracos via instrumentos da ordem e da disciplina, será debilitando tais instrumentos que os mais fracos romperão os grilhões que os aprisionam. Essa idéia falaciosa progride supostamente do lado do bem.

Conta com a simpatia dos justos, da intelectualidade, dos religiosos, dos democratas. Pais podem até ser presos se forem duros com os filhos rebeldes; professores podem apanhar dos alunos; a insubordinação e o vício são toleráveis na juventude; os governantes e os mais velhos podem ser desrespeitados, xingados. Como resultado, uma sociedade permissiva, condescendente com o erro, com o abuso e, certamente, com o crime.

Por isto entendemos ter agido muito bem o juiz de Muriaé. Talvez pudesse a medida ser, até, um pouco mais incisiva não se restringindo a jovens em situação de risco. Entendemos que, em princípio, todo jovem na rua, depois das 22 horas, não acompanhado dos pais ou de familiares, está em situação perigosa.

Quando a autoridade impõe obediência às leis e aos regulamentos, ela dá suporte à família que precisa mostrar aos filhos que a sociedade tem regras. É onde o rigor na fiscalização produz efeitos concorrentes importantíssimos.

Em seu Blog, Maria da Glória Costa Reis, ex Conselheira Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente, de Leopoldina, MG, aduz como oportuna e indispensável, também, a efetiva proibição pelas autoridades da venda e fornecimento de bebidas alcoólicas a menores, como previsto nos artigos 81 e 243 do ECA. O crime é punível com pena de detenção, de dois a quatro anos. Não deve ser negligenciado pela fiscalização.
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(Publicado em 13.08.2009 em http://oglobo.globo.com/pais/noblat/mariahelena/ e no Jornal Leopoldinense de 16.08.2009)

sexta-feira, 14 de agosto de 2009

Casa de Caridade Leopoldinense - 105 Anos


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Agosto 2001



A Casa de Caridade Leopoldinense, de Leopoldina, MG, completa 105 anos neste agosto de 2001.
Em setembro de 1894 os médicos Joaquim Custódio Guimarães Júnior e Joaquim Antonio Dutra faziam parte da Comissão de Saúde da Câmara Municipal e votaram a Lei nº24/1894, que iria destinar fundos para a construção daquela que viria a ser a Casa de Caridade Leopoldinense. É o que consta do relatório assinado pelo então Presidente da Câmara, Lucas Augusto Monteiro de Castro: (Literis)

"Na ausência do Dr. Gabriel de Almeida Magalhães, benemérito presidente da Casa de Caridade Leopoldinense, por cuja inexcedível dedicação o nosso município brevemente terá a fortuna de ver instalar-se e possuir uma Casa de Caridade, eu (Lucas Augusto) e o Dr. Octávio Ottoni temos procurado obter um prédio para servir provisoriamente, mas até agora os nossos esforços têm sido baldados.
Para acelerar a instalação da Pia Instituição, a Câmara, na sessão de setembro findo, votou a Lei nº24 (de Setembro de 1894), que consigna 20:000$000 (Vinte contos de réis), e no orçamento de 1895 a verba de 10:000$000 (Dez contos de réis), como auxílio".

Temos aí, nas próprias palavras do então Presidente da Câmara Municipal (que na época era o Chefe do Executivo Municipal - Prefeito), Sr. Lucas Augusto Monteiro de Castro, a notícia de que a Casa de Caridade Leopoldinense já estava começando a nascer em setembro de 1894, com a Lei Municipal nº24/1894, que destinava fundos do orçamento do ano de 1894 e de 1895 para auxílio na sua construção.

Observe-se que a Prefeitura apenas auxiliou na construção da Casa de Caridade, porque o grande mérito da obra coube à Sociedade Leopoldinense de então que, comprovadamente, acorreu com generosas doações, dentre todos destacando-se aqueles que até hoje estão inscritos no artigo 46 dos Estatutos da Casa de Caridade como seus maiores beneméritos, detentores perpétuos do título de Supremos Protetores: o Dr. Gabriel de Paula Almeida Magalhães e sua esposa, Da. Maria do Carmo Monteiro de Almeida Magalhães.

Foi, assim, a Casa de Caridade Leopoldinense fundada aos 03 de agosto de 1896, num prédio adquirido na da Rua Manoel Lobato, como noticiou a "Gazeta de Leopoldina" em seu nº10, que circulou no dia 09 de agosto de 1896 (não identificamos ainda qual teria sido o prédio da Rua Manoel Lobato).

A ata da instalação foi lavrada pelo Sr. Augusto Lobo, e a reunião presidida pelo Tenente Coronel Manoel Lobato Galvão de São Martinho (então o Vice-Presidente da Câmara Municipal) que ao final do texto declarou achar-se formalmente instalada, a partir daquele momento, a Casa de Caridade Leopoldinense. Consignavam seus Estatutos que seria seu objetivo primordial o atendimento aos pobres sem recursos.

Na Rua Manoel Lobato as primeiras instalações, de 1896, são referidas como não propriamente adequadas à atividade hospitalar, carentes da comodidade que o bom atendimento à população já demandava, de mobiliário modesto, mas que mesmo assim "servia a prestar bons serviços médicos e cirúrgicos".
No dia 20 de julho de 1902 foi iniciada a construção do prédio atual da Casa de Caridade Leopoldinense, no alto da colina central da cidade.

Compulsando velhos documentos, chegamos ao texto do convite para o lançamento da Pedra Fundamental desse novo prédio do Hospital: (cópia literal, sem revisão gráfica)

"Leopoldina, 8 de julho de 1902. Cidadão - Estando marcado para o dia 20 do corrente o assentamento da pedra fundamental do novo edifício da Casa de Caridade Leopoldinense, conforme se vê do programa junto, a Directoria da pia associação e a comissão auxiliadora da construção do edifício, teem a honra de vos convidar para assistirdes a esta solemnidade. Contando com o vosso comparecimento, de antemão agradecem.
A Diretoria - Galdino de Freitas, Presidente; Ribeiro Junqueira, Thesoureiro; Domingos Ribeiro, Secretário; Theophilo Rocha, Procurador.
A Comissão Auxiliadora da Construção do Edifício - Vigário, Pe. Júlio Fiorentini; Dr.Custódio Junqueira; Ignácio Werneck; e José Augusto de Albuquerque".

Induvidosamente, portanto, ocorreu a 20 de julho de 1902, o lançamento da Pedra Fundamental do prédio da Rua Padre Júlio, 138.

É importante não confundir esta data de fundação com aquela outra que se lê num marco de granito exposto na entrada principal da Casa de Caridade, contendo a inscrição "SPB - 01.l2.1889". O marco de granito assinala a data da fundação da Sociedade Portuguesa de Beneficência, em Leopoldina, instituição da qual a Casa de Caridade Leopoldinense passou a ser sucessora, a partir de 25.03.1917, quando a S. P. B. foi liquidada.

Há documentação idônea, no arquivo do Hospital, das negociações para a absorção da Beneficência Portuguesa pela Casa de Caridade Leopoldinense. (São documentos que se acham guardados no Hospital e que foram compulsados pelo autor destas linhas, quando no exercício da provedoria da CCL). O contrato com a SPB previu atendimento e amparo aos sócios daquela instituição, responsabilização nas despesas de funerais a que tinham direito os sócios portugueses e, curiosamente, o compromisso expresso de que viesse a ser preservado, "em local de destaque na C.C.L.", o marco fundamental da S.P.B. (Durante alguns anos esteve soterrado num alicerce interno do Hospital. A provedoria de que participamos o colocou, em destaque, na porta principal da CCL, onde hoje se encontra)

Tinha-se, portanto, que desde a inauguração (em 1896) na Rua Manoel Lobato, o crescimento da cidade passara a exigir maiores investimentos "em benefício dos doentes e em proveito da prática profissional dos médicos". Impunha-se a construção de novo prédio, com mais espaço e funcionalidade. Por isto, como foi dito acima, a partir de 20 de julho de 1902, seis anos após a inauguração na Rua Manoel Lobato, a população de Leopoldina pôs mãos à obra do soerguimento de seu novo Hospital, no proeminente e central quarteirão do morro da Matriz, local de facílimo acesso, tranqüilo e com descortino de ampla paisagem.

Os recursos para a construção foram obtidos, como foi dito, em sua maior parte, junto a pessoas gradas da sociedade leopoldinense. Atas de assembléias antigas e algumas certidões de escrituras registram inúmeras doações de imóveis feitas, na época, em benefício do Hospital. Tanto doações em vida, como doações consignadas em testamento para transmissão pos mortem.

Ignácio de Lacerda Werneck, por exemplo, que foi Provedor da C.C.L. durante 28 anos, de 25/04/1908 até 08/06/1936, data do seu falecimento, fez doação ao Hospital de dois prédios residenciais seus: um na Rua Cotegipe, outro na antiga Rua do Rosário (hoje, Rua Tiradentes). Muitas foram, também, as doações em bens móveis, como apólices, ações de empresas, mobiliário, roupas, etc.

A história da nossa centenária Instituição de Caridade nos lembra (ou nos ensina!) que ela nasceu e tem buscado sobreviver, sempre, sob a égide exclusiva do sentimento de solidariedade do povo bom e culto desta amada Leopoldina.

Impávido, como a reverenciar seus antigos benfeitores, segue o prédio de 1902, após um século de reformas, adaptações e acréscimos, abrigando - com relativo conforto e já agora com boa tecnologia - a Casa de Caridade Leopoldinense.

Corpo Clínico com cerca de 60 médicos, cobrindo as principais especialidades; 168 leitos em utilização; 6 leitos de C.T.I. (com possibilidade de expansão para 12),detendo, na Região, a melhor classificação técnica da Secretaria de Saúde; 6 profissionais de enfermagem de nível superior; 66 auxiliares de enfermagem; 2 técnicos; 8 atendentes de enfermagem; e 180 funcionários.

É certo que a Instituição ainda enfrenta problemas, comuns aos Hospitais que "foram crescendo com o tempo". Problemas como os múltiplos portões de acesso existentes (duas grandes portas simetricamente opostas num enorme quarteirão, entradas adicionais através do Pronto Socorro, etc.) fatores que dificultam o controle de pessoas, a vigilância sobre objetos, o registro regular para cobrança de certos exames e até de procedimentos cirúrgicos. Há, também, seções administrativas em espaços demasiado internos. Pouca funcionalidade em setores como o Raio-X, locado no interior do nosocômio, impondo trânsito de "não doentes" pelos setores reservados do Hospital, tumultuando o controle de visitas nas enfermarias, etc.
Aliás, o Raio-X está em obras para ter um acesso externo, pretendendo-se unificar todo o Setor de Imagens.

Com recursos limitados, nosso Hospital vai melhorando aos poucos. Vez por outra a população de Leopoldina é convidada a mais um gesto de amor à sua centenária aliada das horas difíceis - a Casa de Caridade.

Assim é que no último dia 3 de agosto de 2001 o Hospital comemorou seus 105 anos. Um século de serviços à população carente de Leopoldina. Parabéns à CCL, parabéns aos funcionários, aos médicos, ao corpo de enfermagem e aos auxiliares. Parabéns à primeira Diretoria, bravos fundadores, cento e cinco anos depois vivos em nossa memória reconhecida! (Primeira Diretoria, empossada em 1897)

PRESIDENTE: Tenente Coronel Manoel Lobato Galvão de São Martinho
VICE-PRESIDENTE: Dr. Joaquim Antonio Dutra (Médico, Presidente da Câmara Municipal)
TESOUREIRO: João Luiz Guilherme Gaide
SECRETARIO: Dr. José Monteiro Ribeiro Junqueira
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(Publicada na Gazeta de Leopoldina de agosto de 2001)

quinta-feira, 13 de agosto de 2009

Cavacos da Crise

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Dezembro, 2005

O calcanhar de Aquiles da democracia brasileira sempre esteve em que as pessoas honestas, cultas e talentosas dispensam pouco apetite pelo poder, ao contrário dos medíocres - obstinados pela ocupação de espaços políticos em que se escudem e viabilizem velhacarias. Junte-se a isto a notável empatia das massas pela pândega dos segundos, chegamos à demeritocracia generalizada em que viemos parar.

O país precisa reforma política. O ideal seria se caminhássemos para uma modificação na Lei Eleitoral - talvez, até no texto constitucional - que tornasse a escolha pelo voto em algo menos aleatório, num molde de democracia mais zeloso da coisa pública e dos destinos da nacionalidade.

A propósito, o Senador Eduardo Suplicy imagina introduzir, urgentemente, na Constituição o instituto da Revogação Popular de mandatos eletivos - ou recall, como o denominam os norte-americanos.
Tal instituto, segundo ele, fortaleceria a soberania do povo, que passaria a poder apear do poder presidentes que não correspondessem às expectativas. Mas eu pergunto: quanto custaria aos cofres públicos semelhante plebiscito? Em duas oportunidades mais ou menos recentes o povo desavisado deste país recusou o Parlamentarismo. Foi pena. Penso que no dia em que o regime parlamentar vier a ser introduzido, como consequência natural da evolução cultural do nosso povo, metade dos nossos problemas político-eleitorais estarão postos a bom recado.

Expectador acima do poder, acima da oposição, acima da emoção, se me desfavorece o menor preparo, favorece-me o olho limpo e imparcial. Observo que a oposição ao governo Lula desconsidera o fundamental, quando pensa que ele se descapitaliza politicamente ao negociar com o PMDB e ao dar apoio às suas tristes figuras. O PT se desmoraliza, sim. Só que as credenciais de PSDB e PFL para capitalizar em praça pública as perdas petistas não são efetivas. Ao desmoralizar-se, o PT não cai abaixo de seus contendores: nivela-se a eles.

A imagem do homem público brasileiro continuará, por muito tempo, prejudicada pela ação do voto popular. O povão vota desastradamente porque é movido por prioridades pessoais bem mais próximas de seu estômago e bem mais agudas, que o (distante) interesse da comunidade.
Se voltássemos à Constituição do Império teríamos o voto permitido tão somente a quem detivesse algo de seu a perder. Ou seja, direito de voto somente para quem tem, para quem pagou uma certa soma em impostos. Infelizmente, isto não condiz com democracia na melhor acepção do vocábulo. Portanto, esquece.

Querem rir? Na CPI dos Correios, segundo está nos jornais, o advogado Walter dos Santos Neto - suspeito de ter intermediado o pagamento da Gtech a grupos ligados ao governo para renovação de contrato com a Caixa Econômica Federal - prestou depoimento em 2.12.05, explicando que sacou R$10 milhões de sua conta bancária “apenas para ver o dinheiro”... Conferir se ele estava lá direitinho, entende? Experiências com ratos deram nome à doença: Síndrome de voyerismo argentário...

E no país do Fome Zero e do Bolsa Família um debate dentro do próprio governo gira em torno de excesso no superavit primário - que é o quanto de receita o governo federal, os estados, os municípios e as empresas estatais conseguem economizar, após o pagamento de suas despesas, sem considerar os gastos com os juros da dívida.
Instigante paradoxo: lidar com a fome e, ao mesmo tempo, com dúvidas sobre o melhor destino a dar ao superavit...
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(Publicado no jornal LEOPOLDINENSE de 15.12.2005)

quarta-feira, 12 de agosto de 2009

A Chave da Riqueza

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Julho, 2007

Uma talvez equivocada procura de paz há tempos vem trazendo para cidades do interior de Minas alguns exilados do medo, gente assustada com a chamada falta de segurança nos grandes centros. Falta percepção de que também por aqui os muros vão ficando baixos.

Falar, por exemplo, de drogas ou furtos em residências neste nosso antes tranqüilo interior, é dramatizar banalidades. Alinhavar reclamações e conceitos pessimistas não adianta. Sabemos que a classe média brasileira - e nela entramos nós - sob certa óptica não de todo desprezível, é beneficiária de uma ordem político-jurídica que funciona para protegê-la da indigência social pela qual ela própria é responsável.

Portanto não é o caso de resolver a violência urbana apenas com polícia. Importa assumir que vivemos num país detentor de uma enorme dívida social, sempre rolada e nunca paga, já agora com as vítimas da modernidade em aberto exercício de contra-violência, fora de controle nos grandes centros e em rápida expansão para o interior. É o revide dos aculturados, dos empobrecidos, dos embrutecidos, dos não inseridos nas oportunidades sociais, dos perdedores da guerra econômica. Dos socorridos no tráfico.

É a partir desse pressuposto que muito me compadeço do purgatório em que cresce grande parte da juventude brasileira, julgando-me, como cidadão, no dever de participar da busca de caminhos para ques-tão tão crucial.

Não faz muito, circulou na Internet argumentos interessantes sobre as razões subjacentes à pobreza e à riqueza das nações. O texto especulava a razão da existência de países ricos e pobres. Com fartura de exemplos oferecia prova de que o diferencial não estaria na idade das nações.
O Egito dos faraós e a Índia milenar seriam dois casos de culturas antiquíssimas que ostentam hoje contingentes populacionais significativos vivendo na miséria. Mesmo sendo a Índia considerada potência nuclear, economicamente dada como emergente, uma vida civilizada e higiênica passa longe de milhões de indianos.

De outro lado, Austrália e Nova Zelândia, países com pouco mais de cem anos, tornaram-se desenvolvidos e ricos.

Grandes extensões territoriais também não assegurariam riqueza a seus habitantes. Nós, brasileiros, apesar dos 8,5 milhões de km2 que nos colocam como o quinto maior país do mundo, pertencemos ao chamado terceiro mundo e, dentre os quatro maiores que nós, apenas USA e Canadá são desenvolvidos. Rússia e China enfrentam mais problemas que soluções. E, por favor, não me venham falar da riqueza da China, outro país que não vê no horizonte o dia em que propiciará condições humanas a um bilhão de chineses.

O Japão, potência econômica destacada, tem território muito pequeno (373 mil km2) com 84% dele tomado por montanhas e rochas vulcânicas - terras difíceis para agricultura e pecuária. Parco em recursos minerais, enfrenta terremotos, erupções vulcânicas, tufões e maremotos, mas é uma ilha altamente industrializada, agregando valor a matérias primas importadas e gerando produtos industrializados de altíssima qualidade.

Fartura de recursos naturais disponíveis, por igual, não explicaria a diferença entre ricos e pobres. Os árabes trotam sofridos camelos sobre as maiores reservas petrolíferas do mundo e, em alguns países africanos, atolados na mais cava indigência, há ouro e diamantes.

O Brasil tem Minas Gerais, Carajás, Serra Pelada, Bacia de Campos, invejável potencial hidroelétrico, terras agricultáveis, maravilhosos 7.367 km de costa atlântica e nosso progresso, não de todo inexistente, se socorre no ilusionismo do marketing político. Adotamos diante do mundo uma atitude pueril de nouveau riche a reclamar reconhecimentos por antecipação.

A pequena, porém abastada, Suíça não precisa de mar para ter uma das maiores frotas mercantes do mundo. Também não tem cacau, mas produz o melhor chocolate do planeta. É campeã européia dos laticínios, ordenhando vacas e ovelhas em acanhados vales alpinos, desenvolvendo ainda uma agricultura modelar nos únicos quatro meses do ano que inverno permite. Geografia desfavorável e recursos naturais quase inexistentes não prejudicam a imagem de segurança e confiabilidade que fez da Suíça uma espécie de Caixa Forte do mundo. Assim também a Bélgica, a Suécia.

A inteligência do povo? Existiriam povos mais bem dotados para ao sucesso? De novo, as evidências negam. Nesse mundo de intercâmbio diuturno, a cada instante se confere no contato com estudantes, executivos e cientistas estrangeiros que não há vantagem intelectual perceptível entre as diferentes nacionalidades e raças. Ao contrário, o que ocorre é migração de talentos das nações pobres para as nações ricas. Os países ricos “importam cérebros” (cientistas) dos países pobres, atraindo-os com bons salários e melhores condições de trabalho.

Neste passo, e bem antes da exaustão dos exemplos, chega-se à educação como a verdadeira diferença que vai influir no sucesso de uma nacionalidade. Pena que educação não caia do céu. Somos nós, cidadãos da classe média, herdeiros e beneficiários de uma sociedade escravista e patrimonialista na qual se posicionaram melhor nossos antepassados, os responsáveis pelo ônus da educação do nosso povo, por incutir-lhe valores sociais, éticos e morais, noções de cidadania e educação.

Responsáveis também, em regime de urgência/urgentíssima, por promover um franco aperfeiçoamento desta democracia incipiente, viciada e corrupta, atrelada a currais eleitorais e à compra de votos, para que ela passe a produzir homens públicos que encarem o ser humano como pessoa, não como simples e alienado eleitor. Que ajudem os que nada têm a adquirir capacitação profissional, a conquistar emprego, auto-estima, instrução, a ter saúde e a estar em paz com a esperança.

Para que todos os marginalizados de hoje se transformem em verdadeiros cidadãos participativos de amanhã, autênticos sujeitos da história deste país. Quando isto acontecer o resto virá por acréscimo porque o ser humano é, ao mesmo tempo, a riqueza e a chave de toda riqueza.
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(Publicado na Gazeta de Leopoldina, e no Jornal Recomeço, em 08.12.2007:
http://www.nossacasa.net/recomeco/0029.htm) e em
http://oglobo.globo.com/pais/noblat/mariahelena/ aos 24.12.2009)

sábado, 8 de agosto de 2009

Acontece no Interior #

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Novembro, 2002

Em cidadezinha do interior a vida costuma ser meio “besta”, como disse o poeta itabirano.
Imaginem vocês que meu amigo Taveira, um carioca nascido no Meier, com nome e cacoetes de personagem do Nelson Rodrigues, depois de morar muitos anos na Gávea foi dar com os burros em Minas Gerais.

Tudo porque, enquanto a longa existência na zona sul do Rio lhe envernizava os hábitos, a favela da Rocinha ia subindo a encosta de São Conrado, descendo depois pelos costados da Rua Marquês de São Vicente, à razão de uns cinco barracos por semana. Assim, numa dessas manhãs de torcicolo, Taveira ponderando a tragédia urbana pelo basculante da cozinha do seu sala-três-quartos, pensou: “Talvez esteja chegando a hora de voltar pro Meier...”

Só que a infernização dos bairros cariocas já havia engolido o Meier há muito tempo e a opção de sossego mais viável para o nosso amigo passou a ser uma vila do interior mineiro, terra natal da patroa. Àquela altura, com os filhos criados e independentes, dava para encarar. Assim, acelerando rápido da conjectura à ação, um caminhão de mudanças descarregou os badulaques do Taveira numa cidadezinha bucólica de Minas, poucas semanas depois.

O dia da chegada até que ficou bem marcado porque na hora de pagar o caminhão, estando os terminais do Banco fora do ar (Acontece muito, no interior: comunicação depende um pouco de sorte), Taveira teve que apelar para as reservas em espécie de um cunhado. O motorista precisava abastecer o caminhão e não aceitou cheque.

Claro que Taveira não imaginava que esse socorro emergencial, em família, se desdobraria, rapidinho, num dever de temerária reciprocidade... (Ás vezes acontece, no interior: generosidade recebida pode convolar-se em pedido de aval bancário, dias depois).

Mas vida que segue e Taveira começou a observar que os esportes mais praticados pela gente interiorana eram piadinhas depreciativas em relação aos homens e patrulhamento sexual em relação às mulheres. Isto o incomodava tanto que, portador de conceitos menos frívolos, Taveira começou a isolar-se com seus jornais, a dispensar simpatias, a desistir de projetos. Acabou comprando um sítio (Acontece demais no interior: as pessoas que chegam acreditam que Sítio é um paraíso).

Pagou o dobro do que valia a propriedade porque, como de praxe, pessoas deslocadas e sem muita noção dos valores correntes na província, tornam-se presas fáceis de oportunistas. São “amigos” que não perdem a oportunidade de levar vantagem quando sentem que alguém está entrando num negócio que não conhece.

Muito cedo deu-se conta o Taveira de que, para ele, as coisas valiam sempre bem mais na hora de comprar e bem menos na hora de vender (Acontece sempre, no interior: o tédio do forasteiro de ficar, longamente, numa conversinha de “cerca Lourenço” discutindo preço, é interpretado como bobice).

Passou a morar num sítio. Só que, para tocá-lo, Taveira viu-se reduzido a um emitente compulsivo, de cheques: cheque pro milho das galinhas, pra ração do cachorro, pro complemento da vaca, pra ração dos porcos, das galinhas, dos pintos, dos perus, cheque do tratorista, do veterinário, do ferrador de cavalo. Cheques, ainda, para o sal das vacas, pra uréia, pro bernicida, pro carrapaticida, pro fungicida, pro larvicida, pro antibiótico, pro anti-diarréico, pro arame farpado, pro mourão, ripa, caibro, porteira, combustível, pra distribuidora de energia, pro mecânico gatilheiro e, claro, para os indispensáveis empregados de carteira assinada.

Bem pior que os desfalques intermináveis no saldo bancário era lidar com esse montão de coisas bizarras. Tanto assim que, passados três anos de purgatório astral, uma decisão fácil triunfou absoluta e irrevogável na cabeça do Taveira: vender aquela merda de sítio.

Liquidez de imóvel rural não é lá essas coisas, mas agora, com uma bela casa colonial, gramado amplo, piscina, curral reformado, rede elétrica nos padrões, açude e poço artesiano - tudo isto a custa do FGTS de um aposentado idiota - era bem capaz de se encontrar quem desse, no imóvel, a metade do que lhe custara na desastrada aventura. Mas olhe bem - alertou o corretor - comprador não aparece no ato. Tem que ter paciência!

Não, ponderou Taveira: vai aparecer rapidinho. Minha mulher é muito devota de Yemanjá. Fez uma promessa para aparecer um ótimo adquirente para este sítio e nós comprarmos, com o preço, um apartamento de 500m2, de frente para o mar, no Rio de Janeiro...

É engraçado como isto também acontece no interior: na extrema penúria as pessoas começam a delirar.
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(Publicada na Gazeta de Leopoldina de 27.11.2002)

quinta-feira, 6 de agosto de 2009

Meu Nome é Caju

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Julho, 2003


O mínimo que se espera de um cronista é que ele saiba escolher assuntos que mereçam crônica. O problema é quando o assunto que não merece crônica embirra e não desocupa a moita. Não sei como agem cronistas sérios em tal situação. Eu, sem nome a zelar, pego o assunto que não merece crônica e faço uma crônica que não merece leitura. É o que acontece agora. Avisei, hem.

Olha, se não bebesse tanto, o carioca do Méier, nosso amigo Caju, ainda estaria vivo. Passava o dia e boa parte da noite num boteco do Catete, tranquilo, tranquilo, sentado num banquinho redondo, daqueles altos de balcão de lanchonete, bicando cerveja e esticando conversa.

Isto, lá pelos anos 60. Nós, estudantes da república “Solar do Outeiro”, na Glória, ao sairmos pela manhã, já topávamos o Caju no bar do Caçapa em pleno desjejum etílico. No fim do dia, quando a gente voltava, o homem continuava lá, firme, repetindo gestos, assuntando a rua. Mais ou menos os mesmos casos, as mesmas piadas e companhias que também variavam pouco.

Só tinha graça porque éramos jovens. São recordações da mocidade distante, revolvidas ontem num passeio, a pé, pelas ruas do Flamengo e da Glória.

Caju aparentava, então, uns quarenta anos, mal vividos. A tal altura da vida, não devia estar aposentado por idade. Por doença também não. Ninguém com problema de saúde suportaria meia hora naquele assento diminuto, sem encosto, com as pernas dependuradas. E ele se mostrava com gás para não sair dali.

Nunca o vimos inteiramente tonto − até porque cairia do banco. Algum alerta orgânico devia soar quando ele atingia o limite etílico. Caso raro de golo sob controle.

Uma coisa nos intrigava: sabido que o avaro Manoel Caçapa, dono do bar, um portuga pão-duro do tipo munheca paralítica, não vendia fiado, quem financiaria as pingas do Caju? De onde vinha a grana de manter na flauta um filósofo de boteco?

“A grande falha da criação − especulava − foi Deus não ter dotado o ser humano com dois cérebros. Com dois, talvez um aceitasse tratamento quando o outro começasse a bater pino.”

– Profundo, profundo! − a gente aderia. Afinal temos dois pulmões, dois rins, dois olhos... Somente no futebol teríamos um probleminha nas bolas divididas, não é Caju, com quatro cérebros administrando a trombada...

De hoje a gente conclui que, inconscientemente, ele buscava a fórmula da própria salvação, que seria um cérebro sadio dando socorro ao cérebro exigente de álcool.

Minimizava a importância da bebida. O apego ao Bar do Caçapa, por exemplo, estava no tempero do pernil assado.
– O pernil daqui, ó... Num tem!

Perguntaram se o pai dele era doido.

– Doido por quê?
– Ora, esse nome idiota que ele colocou em você.

– Ih, nem fala! Meu pai foi um irresponsável que resolveu brincar com o nome do filho. Colocou em mim o nome dele, invertido. Ele era Juvenal, vulgo Juca, entende? Me registrou com as sílabas do Juca, invertidas: Caju. Só que ele não bebia, eu bebo!... Rá-rá-rá...

– Bom, então já que você abriu o coração, Caju, aproveite e tire mais uma dúvida que a gente carrega há muito tempo. Quem paga suas biritas?

– A lógica não muda. Meu pai trabalhava e minha mãe ficava em casa de bobeira. Pra não contrariar o destino traçado pelo meu pai, faço o inverso: minha mulher trabalha, eu fico bebendo na rua.


– Humm! Aí fecha.

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(Publicada na Gazeta de Leopoldina de 05.07.2003 e em http://oglobo.globo.com/pais/noblat/mariahelena/)