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sexta-feira, 24 de junho de 2011

As Amizades de Minas

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As amizades de Minas
não retornam ligação
por mais que lhes deixe avisos
o empenho é sempre vão.

Que falta faz um amigo
uma frase, sua mão
se desce o silêncio n’alma
e se impõe a escuridão.

Conforto longe demais
pras pernas do coração!

Existe coisa mais feia
que o apego ao dobrão?
As amizades de Minas
não retornam ligação.

Elas sequer imaginam
o quanto me fazem mal,
Patentear cicatrizes
num poeminha banal,

vacilo de quem se cuida
pra lá do bem e do mal.

Sempre me fiz companheiro
solidário, um irmão
e as amizades de Minas
não retornam ligação.

Pelos baldios da vida
só fiz descartar meus planos,
espiga de milho verde
e o sabugo dos enganos

salgados por minha mãe
quando eu só tinha dez anos.

₪₪₪₪₪₪₪₪₪₪₪
(Publicada em 23.06.2011 em http://oglobo.globo.com/pais/noblat/mariahelena/)

sexta-feira, 17 de junho de 2011

A Calma do Padilha #

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Junho, 2011

Padilha sempre foi um sujeito tranquilo. Tranquilo até demais. A crônica de sua plácida existência, aliás, não registra um único dia ou instante de apreensão ante os habituais percalços do estar vivo. O que não tem solução, solucionado está - sua profissão de fé.

Nascido, criado e vivido numa vila do interior de Minas onde todas as ruas são curtas e convergem para o cemitério, Padilha – que jamais cumpriu horários combinados – cometeu a proeza de chegar atrasado ao enterro do próprio pai. Foram vinte minutos de contrita ansiedade familiar na hora de dar tampa ao esquife. O filho único não aparecia. - Viajou? - Adoeceu? Nada! Tá por aí mesmo. - Deus do céu! – exclamavam carpideiras – que excepcional embaraço estará subtraindo a um solteirão desocupado as exéquias de tão bondoso pai?...

Eu disse desocupado? Então fica. Padilha realmente nunca trabalhou. Não almejo fortuna mundana – justificava-se. Recebera por testamento de um tio e padrinho a próspera casa comercial que lhe renderia aluguel ao longo da vida. Era quanto lhe bastava à existência regrada. Suficiente também para ele apregoar que o cavalo dele já nascera arreado...

Vício, apenas os botecos. Não que fosse bebum. N’era não. Tava ali pra participar, ver gente, uma cervejinha compondo a mesa, um amigo ou uma amiga de passagem... Patota, não. Se aglomerasse o Padilha escorregava de fininho. Mas o sublinhadamente folclórico nele era mesmo aquele proverbial desligamento, seu absoluto desapego a compromisso. Só chegava em festas quando os últimos convidados já estavam saindo. No jogo de canastra ou buraco era um suplício esperá-lo na escolha da carta para descarte. – Joóóóga, Padilha!

Já as moças o tinham em boa conta. Cinquentão, solteiro, educado, alto, esguio, vestia-se com aprumo, sempre com aquele aspecto de banho tomado, cabelos sabendo à prata. Além do mais, pagava a cervejinha da mesa. Nunca tantas que parecesse “coronel”; duas ou três, podia deixar com ele.

Constava ter vivido um rápido relacionamento conjugal ali pelos trinta anos. Equívoco fugaz que não voltaria a cometer. Nascer homem – afirmava – é dádiva preciosa demais para se desperdiçar com amarrio a mulher e filhos.

Mas por que estaria eu aqui a falar de um sujeito falecido há dez anos? É que, no último sábado, numa roda de amigos, o cirurgião Dr. Motinha trouxe à baila os dias finais do Padilha.
Contou-nos ele que, na ocasião, Padilha o procurara com dificuldade respiratória. A verificação clínica sugeriu problema grave. Exames requeridos e feitos, na consulta de volta não pôde o médico sonegar ao doente a realidade terrível: teria que retirar um pulmão e, para o outro, o tratamento seria apenas paliativo.

Padilha era lúcido o bastante para entender o prognóstico sombrio. Motinha, entretanto, não captou nele qualquer sinal de pânico ou inquietude. Como seria natural pelo menos algum sofrimento interior, mediu-lhe a pressão para, vindo ao caso, ministrar-lhe calmantes, etc.
Qual nada! Mesmo diante do funesto diagnóstico, Padilha acusava batimentos normais e pressão doze por sete! Pena que coração não é tudo e, dentro do previsto, veio a falecer meses depois.

E Dr. Motinha concluiu sua fala: - Gente, o Padilha foi meu colega de ginásio, meu amigo, um cara legal. Mas eu considero que ser tranquilo ao ponto de ostentar ritmo cardíaco inalterado e pressão arterial doze por sete no momento em que recebe – aliás, impassivelmente – a notícia de estar liquidado por um câncer, não pode ser normal. É deboche, é negar sentimentos que nos igualam a todos, é diminuir o semelhante, é colocar-se acima do bem e do mal, é viver num mundo supraterreno onde nada o atinge... Um mundo criado só pra ele!

Querem saber de uma coisa, para mim o Padilha extrapolava. Aquilo não era calma, não era equilíbrio coisa nenhuma. Tinha outro nome. O Padilha era um bom filho da p...
₪₪₪₪₪₪₪₪₪₪₪
(Publicada em 16.06.2011 em http://oglobo.globo.com/pais/noblat/mariahelena/)

sábado, 11 de junho de 2011

PEC dos Recursos

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Junho, 2011

Aberto o debate público sobre a “PEC dos Recursos”, operadores do direito, acadêmicos e interessados devem discutir a proposta do ministro Cézar Peluso, do STF, de alteração da Constituição Federal para nela incluir dois novos artigos que, subtraindo efeito suspensivo aos recursos - Extraordinário (para o STF) e Especial (para o STJ) - trará maior efetividade às decisões judiciais de segunda instância, reduzindo o colossal aporte de processos no Supremo e no Superior Tribunal de Justiça.
Principalmente de recursos meramente protelatórios, ou seja, expedientes espúrios para ganhar tempo.

Equivale isto dizer que as decisões já se tornariam executáveis quando proferidas em segunda instância. Os recursos, Extraordinário (STF), e Ordinário (STJ), continuariam oponíveis, porém sem efeito suspensivo a obstar a execução do julgado. Equiparáveis, portanto, à Ação Rescisória - procedimento cabível para rescindir sentença de mérito transitada em julgado.

Da teoria à prática, se estivéssemos sob tal regime processual, Pimenta Neves estaria cumprindo pena desde dezembro de 2006, ano em que o TJSP confirmou sua condenação pelo Tribunal do Juri de Ibiúna. Muito a propósito, Rui Barbosa declarou, em sua Oração aos Moços, que “a justiça atrasada não é justiça, senão injustiça qualificada e manifesta”.

Na Proposta de Emenda à Constituição - PEC, Peluso a constituição ganharia dois novos artigos:

Art. 105-A A admissibilidade do recurso extraordinário e do recurso especial não obsta o trânsito em julgado da decisão que os comporte.
Parágrafo único. A nenhum título será concedido efeito suspensivo aos recursos, podendo o Relator, se for o caso, pedir preferência no julgamento.
Art. 105-B Cabe recurso ordinário, com efeito devolutivo e suspensivo, no prazo de quinze (15) dias, da decisão que, com ou sem julgamento de mérito, extinga processo de competência originária:
I – de Tribunal local, para o Tribunal Superior competente;
II - de Tribunal Superior, para o Supremo Tribunal Federal.

O tema se inclui no III Pacto Republicano, aliás, seu eixo principal, mas suscita controvérsias. Se, por um lado, a modificação tenderá a imprimir maior celeridade aos processos – dissuadindo partes a manifestar recursos inconsistentes – por outro, levanta questões de difícil equacionamento, como seria o caso do processo criminal (Como reparar o preso cujo recurso o tribunal superior julgou procedente?) e dos processos de cobrança, inclusive tributária (Como recuperar dinheiro em espécie, há tempos na mão de um eventual vencido em “terceira instância”?)

O acatado constitucionalista, Luís Roberto Barroso, considera que “os princípios constitucionais do acesso à Justiça e do devido processo legal se realizam nas instâncias ordinárias, em dois graus de jurisdição”. E aduz: “Em nenhum sistema jurídico, o acesso à Suprema Corte constitui direito subjetivo da parte".

Também o culto ministro do STJ, João Otávio de Noronha, vê na proposta “um esforço válido para dar racionalidade e celeridade ao sistema judicial."

Ou seja, as quatro instâncias que militam no país, dando ensejo a verdadeira indústria de recursos, são incompatíveis com o tempo aceitável para entrega da chamada prestação jurisdicional. Vale dizer, não concorrem para decisões judiciais em prazos civilizados, fomentando lentidão e impunidade.

Pertinente considerar, a propósito, que cerca de 80% dos recursos que chegam ao STF são desacolhidos. Nos processos criminais o índice de rejeição chega a 93%. Outro dado relevante é que o maior número de recursos aos tribunais superiores (mais de 90%) provém, exatamente, do Poder Executivo.

Tanto porque advogados de órgãos públicos, sociedades de economia mista, etc., são invariavelmente orientados a esgotar todos os recursos. É que, na administração desses órgãos, dificilmente os gestores se consideram autorizados a avaliar, de antemão, que determinada causa é infundada e, a partir de tal raciocínio pessoal, firmar acordo oneroso que obrigue o ente público. Há sempre o risco da atitude do servidor ser confundida com liberalidade análoga à tal “devolução do imposto de renda em tempo recorde", do recente affaire Antonio Palocci.

Assim, constituindo-se o Pacto Republicano num esforço conjunto dos três poderes para chegar-se a uma Justiça mais consentânea com os reclamos da moderna sociedade brasileira, medidas de vocação administrativa também se impõem na conciliação de hábitos e práticas que se interpenetram.
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(Publicada em 09.06.2011 em http://oglobo.globo.com/pais/noblat/mariahelena/)

sábado, 4 de junho de 2011

Gaivotas

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Junho, 2011

Baia de Guanabara, sol de janeiro, reflexos de níquel arremetidos do azul.
Da minha sala de vidro, Esplanada do Castelo, trigésimo quarto andar: a entrada da baia, navios, o Pão de Açúcar, velas, Icaraí, vãos da ponte e, na perna do vento, aviões em manobra de pouso.

Logo ali, rentes à minha janela, gaivotas festivas rodopiam nas correntes ascendentes.
São muitas em revoada, mas, milagrosamente, não se tocam – há segredos recônditos nas rotas passaredas.

Uma delas parece interessar-se por mim. Não é a primeira vez que passa roçando minha vidraça.

Trocamos olhares – juro que trocamos. Gostaria de falar-lhe e sinto que ela talvez busque saber coisas em mim.

– Que perguntas me propõem dois olhinhos voadores?

Observo a revoada em bando, perscruto a lógica de sua coreografia. Nada definível onde reina divindade e  poesia. Trajetórias de astros sob as leis da criação, desocupadas de trigonometria e esquadros.

As exatidões do mundo postaram-se, todas, do lado de cá desta parede de cristal, porque isto aqui é um Banco num arranha-céu de vidro e eu sou um bancário. Um Banco empanzinado de números ásperos sobre a superfície célica do mar da Guanabara.

Êxtase de um guarda-livros dantanho, de máquina calculadora aos dedos e gaivotas nas retinas.

Gaivota

Voa gaivota branca
Pra lá de mim, prisioneiro
Desta vida, dos costumes
Da rotina e do dinheiro.

Me leva pra ir contigo
Por teus caminhos de vento
Retomar a encruzilhada
Onde eu errei minha estrada.

Leva este artista, menina
Companheira e bailarina
Atrás da segunda chance
Tão fora do meu alcance.

Portadora das canções
E das notas sobre a pauta
Devolve com tuas asas
A liberdade que me falta.

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Letra: josé do carmo
Música: dhaal e palavrinha
Gravação Estúdio Eldorado
Performance: dhaal