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Maio, 2013
Com
o seu sinistro olhar o feiticeiro mede-o.
–
Olha, Roque, você me vai dar um remédio.
Eu
quero me curar do mal que me atormenta.
–
Tenho ramos de arruda, urtigas, água benta,
uma
infusão que cura a espinhela e a maleita,
figas
para evitar tudo que é coisa feita...
(Menotti Del
Picchia – Juca Mulato)
Aos vinte e três anos, já residindo no
Rio de Janeiro, apareceu-me uma ziquizira dos diabos na cabeça. Mais exatamente
no cabelo, a preciosa matéria prima engomada do meu topete elvispresleyano! Apavorado,
procurei médico e o diagnóstico declinado foi uma “possível psoríase”. Conceito
hermético que só fez aumentar meu desespero.
Tratando-se de uma doença autoimune –
lecionou-me o esculápio – vá usando este sabonete antisséptico até melhor avaliação.
Meus cabelos se soltavam aos tufos. Marineide,
nossa cozinheira na pensão da Glória, prolatou sentença terrível: – Ele tá com
pelada! Doença horrorosa. Faz a cabeça ficar desértica e repulsiva como os
costados de um cão sarnento.
Credo em cruz! Fiquei triste com a Marineide, mesmo
sendo a danada capaz de fritar batata doce como só Da. Lira, minha avozinha
querida, costumava fazer.
Dona Ruth, a octogenária dona da casa,
aconselhou-me um homeopata famoso, Dr. Molica, com consultório em Copacabana. Procurei
saber: consultas a partir das sete da manhã, ordem de chegada. Fui lá. “Senhas”
esgotadas!
–Isto não é assim não, explicou-me a secretária. Antes
das seis já tem gente na fila pra pegar vaga. Volte amanhã.
Voltei. Cinco da madrugada. Consultório lá em cima,
mas a fila se formava na portaria do prédio, esticando-se pela calçada do
Cinema Metro, na Av. Copacabana. Andou às sete, com a chegada do médico.
Mas valeu. Às nove eu já era um paciente
esperançoso aviando a latinidade da minha receita na farmácia homeopática da
Rua São José, no Centro. Já saí dali com cinco vidrinhos contendo bolinhas de
açúcar encantado. Ou bento, se preferem.
Tomava as bolotinhas com neurótica pontualidade. O
cabelo, entretanto, continuava a descer-me pelos ombros. Angustiado, apelei
para outro dermatologista. A receita foi nova marca de sabonete antisséptico.
Pintou feriadão, me mandei para Minas. Na fazenda,
Neneco Passarim, o carreiro de boi, aconselhou-me procurar o Preto Velho,
Horácio, mandingueiro entendido em ervas e benzedor emérito. Corri nele.
O velho assuntou sem emoção minhas brechas cimeiras,
pigarreou arrastado e declarou:
– É cobreiro! Vamo benzê isso. Vá pra trás daquela
porta, ali – apontou-me a porta que
dava, da sala onde estávamos, para o quarto dele. Encantoei-me lá como uma
vassoura, rente às dobradiças.
– Agora vou fazê a reza – declarou. Quando eu pruguntá,
“O quê que eu te benzo”, cê responde: “Cobreiro”. Entendeu?
– Entendi, Horácio.
Dito isto ele se ajoelhou com uma das pernas,
apoiou os cotovelos na outra e passou a orar guturalmente:
– Bzzzeerrss-bzzreee-e-que-benzo-bzzrreee-zzz.... O
quê que eu te benzo?
– Cobreiro –
eu respondi.
– Bzzzeerrss-bzzreee-e-que-benzo-bzzrreee-zzz.... O
quê que eu te benzo?
– Cobreiro – respondi novamente.
– Bzzzeerrss-bzzreee-e-que-benzo-bzzrreee-zzz.... O
quê que eu te benzo?
– Cobreiro – segui replicando.
– Bzzzeerrss-bzzreee-e-que-benzo-bzzrreee-zzz.... O
quê que eu te benzo?
– Cobreiro..... Cobreiro.....Cobreiro.....
Cobreiro....
Não sei quantas vezes pronunciei a palavra Cobreiro.
Foram muitas. Tantas que, dias depois, meu cabelo parou de cair. E não caiu mais.
A não ser modicamente, anos afora, como convinha a meu legado genético.
Sei lá o que me curou. A homeopatia do Dr. Molica?
Os sabonetes dos alopatas? Ou foi a benzeção do Horácio?
Consta que uma fase de grande estresse pode ocasionar
queda súbita de cabelos. De fato, ali pelos vinte e poucos anos eu sonhava ser dono
do mundo. Só depois, com as topadas da vida, “os sonhos, um por um, céleres,” voaram.
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