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sábado, 18 de setembro de 2010

Antonio Nilo de Almeida Ramos

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Setembro, 2005



Em setembro de 1999, logo após o sepultamento de Antonio Nilo de Almeida, na condição de colaborador eventual da Gazeta de Leopoldina, publicamos um desabafo de saudade, sob o impacto da emoção e do grande sentimento de perda que aquele momento nos trazia. Dissemos que a vida às vezes é injusta. Que acabávamos de levar à sepultura, em Tebas, na terça-feira, 14 de setembro, nosso dileto amigo, vereador Nilo Ramos, como era conhecido.

Nilo, ou o Nilão que venerávamos, era uma pessoa extraordinária que teria merecido viver muitos anos mais. Homem bom, solidário, esposo exemplar, pai amoroso, vocação pública retilínea e grande caráter. O câncer o surpreendeu na plenitude da capacidade intelectual e criadora.

Por familiares, soubemos que Nilo lutou muito contra a doença. Lutou com muita coragem e fé. Mas Deus tem critérios - para nós, insondáveis - e decidiu mesmo por chamá-lo aos 66 anos de idade. Leopoldina perdeu um valor insubstituível, uma autêntica reserva moral em sua Câmara de Vereadores. Foi enorme a dimensão do desfalque.

Como vereador, Nilo praticava a política pelo lado único da virtude, da exação atávica herdada do pai, o também ex-vereador e ex-vice prefeito Jacyr Ramos. Personificava a lucidez e o espírito conciliatório. Um virtuose do convencimento pela via do diálogo.

Conheci-o ainda criança, meado dos anos 50, fazendo política estudantil no Colégio Leopoldinense. Lembro-me de uma eleição para o Grêmio Estudantil de Colégio Leopoldinense e o jovem Nilo se desdobrando no esforço de levar o companheiro José Laênio Loche à presidência. Ele, um rapazinho loiro, alto, magro, voz inconfundível, meio anasalada, empolgando o microfone da ZYK-5, Rádio Sociedade Leopoldina (que na época funcionava no prédio do Clube Leopoldina) concitando as massas, da sacada do prédio: - "Colegas, votemos em José Laênio Loche !..."

Depois, em 1958, terminado o Ginásio, segui para o Rio de Janeiro já matriculado num cursinho pré-vestibular. Ao descer de um ônibus da velha TAVIL na rodoviária da Praça Mauá, quem estava lá para conduzir-me à primeira morada e introduzir-me na camaradagem da turma de estudantes leopoldinenses residentes no Rio? Ele, o amigo Nilo.

Pela lateral aberta do bonde - os bondes ainda circulavam por aqueles pedaços de história - Nilo apresentou-me a Av. Rio Branco, o Tabuleiro da Baiana, o Passeio Público, os Arcos da Lapa, a Praça Paris e o Restaurante Central dos Estudantes, na Ponta do Calabouço (mais ou menos em frente ao local onde, depois, construiriam o MAM), referencial de sobrevivência dos estudantes pobres chegados ao Rio de Janeiro.

Com ajuda do Nilo, tive meu primeiro passaporte pro Restaurante do Calabouço (Um cartãozinho da UME – União Metropolitana dos Estudantes, que dava direito a duas refeições por dia no Restaurante). Ele conhecia as pessoas certas.

Nossa residência era na Rua Cândido Mendes, 235, no Bairro da Glória. Integrávamos um grupo de jovens determinados que trabalhava, estudava e ainda atiçava a fogueira estudantil que se alastrava da UNE, na Praia do Flamengo, à Av. Beira Mar, endereço do Calabouço, antes e depois do Governo João Goulart. Anos arriscados, de passeatas, detenções, balas de borracha e bombas de gás lacrimogêneo, mas de intensa participação estudantil na vida pública nacional.

Certamente que a influência paterna e o caldo cultural daquele início de anos 60, nutriam o futuro homem público Nilo Ramos, sedimentando nele o democrata irredutível. No início, o udenismo o seduzia. A escarlatina comunista que nos avermelhava a todos - no ambiente estudantil da UNE - não contagiava o Nilo. Pontificavam lideranças de esquerda nos Diretórios Acadêmicos de todas as faculdades. Ele estudava direito no Catete e era lacerdista... (portanto anti-comunista)

O arguto jornalista, deputado e primeiro governador eleito do ex-Estado da Guanabara, Carlos Werneck de Lacerda, senhor de retórica prodigiosa, eloqüente e persuasiva, era quem realmente cativava o Nilo. Foi Lacerda, sem dúvida, a influência mais efetiva em sua formação política.

Como prevalecesse entre nós, outros, a natural simpatia juvenil pela esquerda, fazíamos desse desalinhamento do Nilo o mote para acaloradas polêmicas, em casa, nos espaços estudantis e nas ruas. Controvérsias de faz-de-conta que podiam terminar numa repetida calúnia dos comunistas ao Lacerda: "Teu líder deixou o "PCB" pra fugir com a mala do Comitê!" Vinha aquela gargalhada gostosa do Nilo pra gente também logo embarcar no riso e congelar as desavenças em alguns chopinhos inocentes num bar da Glória ou no Spaghettilândia da Rua Álvaro Alvim, na Cinelândia.

Era assim, o meu companheiro de bons tempos, Antonio Nilo de Almeida, o Nilão, de carinhosa memória. Tempos na verdade difíceis, da luta árdua por um lugar ao sol, da afirmação pessoal, dos vestibulares com questões descritivas, dos comícios no Automóvel Clube; das passeatas na Rio Branco e no Passeio Público; da revolução cubana de 59; da guerra fria.

Mas tempos também de participação e alegria, com os meninos que éramos correndo atrás do caminhão dos bombeiros que trazia, do Galeão, a Seleção de 58; do JK abraçando Garrincha, Didi & Cia. num palanque em frente ao Palácio do Catete; dos primeiros carros nacionais; dos vôos espaciais; do Yuri Gagarin acenando pra gente da sacada da UNE, na praia do Flamengo; da Bossa Nova nascendo em Copacabana, no Beco das Garrafas; do Cinema Novo; dos filmes da Atlândida; da Banda de Ipanema; da crise que foi dar no golpe militar de 64.

E bons tempos também dos bailes da vida; dos anos dourados; do rock 'n roll; dos festivais na TV; do footing na Cinelândia; dos leopoldinenses reunidos na praia, ao sol do Posto-2; das muitas festas de formatura nos salões do Hotel Glória.

O Nilo dessa época, porém, apaixonado por aquela que viria a ser a mãe de seus filhos, já andava disposto a trocar nossa festa carioca pelo amor de sua vida, uma moça linda e inteligente, nascida em Tebas, a Creusa Ávila.

A paixão chegou a fazer dele o nosso seresteiro. Boleros e samba-canções intermináveis, em português e espanhol, cantados pelo Nilo dominavam um pequeno quarto, repleto de estudantes sonhadores, numa ladeira de Santa Tereza, mas a destinatária das canções, a gente sabia que morava em Tebas.

Num outro canto do quarto, equilibrando conceitos apostilados de biologia e química orgânica numa mesinha estreita, o futuro médico Celso Pereira Ávila, o constrangido irmão da moça, compenetrava-se no estudo e devia matutar em silêncio: "Isto é com a minha irmã!"...

Antonio Nilo formou-se em direito pela Faculdade do Catete, casou-se, foi gerente de Banco e ao voltar às origens, aposentado, imaginou que vocação política e amor a Tebas dariam um apostolado. E deu. É dele a assertiva: "Ninguém ama sua terra pelo que ela é, mas sim porque ela é sua".

Duas vezes vereador, tornava-se emblemático mercê de sua dimensão pessoal excedente ao cargo. Sobrando em valores morais e estatura, alcançava aqueles que tanto dignificaram nossa Câmara, inscrevendo seus nomes ilustres na história do legislativo municipal leopoldinense: Carlos Luz, Chico Bastos, Olivier Fajardo, Lolô Vieira, Durval Bastos, Ely Rodrigues Neto, Justiniano Fonseca, Jacyr Ramos, Eloy Rodrigues Neto e tantos outros... Agora também, com toda justiça, seu próprio filho, Ricardo Ávila.

- Companheiro Nilo, você foi um irmão. Obrigado por sua amizade. Obrigado pelo privilégio das experiências e do aprendizado recíproco no pedaço mais bonito de nossas vidas. Como disse, você mereceria ter continuado a viver. Mas se é desígnio do alto, você mereceu também conhecer a Deus. Sempre sentiremos sua falta. Tebas inteira sentirá. Leopoldina sentirá. Sua esposa, seus filhos, os amigos...

Guarde para sempre o meu abraço comovido. Alguém disse, Nilo, que o casulo que serve de túmulo à lagarta é também o berço de uma linda borboleta transformada. Você partiu, interrompendo uma carreira promissora, frustrando sonhos, ideais acalentados, produzindo saudade. Mas quem garante, amigo, que tudo isto não passe de simples renascimento para vôos ainda mais altos? Você passou a trilhar, desde o dia de sua partida, o caminho da resposta.
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(Publicada jornal LEOPOLDINENSE de 15.09.2005)

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