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quinta-feira, 1 de julho de 2010

Convite para Inauguração #

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Julho, 2010

Transações pouco éticas das chamadas “malas diretas” são um tormento. A toda hora alguém nos azucrina pelo telefone com alguma promoção ou “vantagem”. Recebemos e-mails aos montes, nas mais variadas tretas. O “lixo postal” abarrota nossa caixa de correspondências. Fazer o quê? É a sociedade de consumo ao encalço de suas vítimas.

Procuro desenvolver defesas. Às garotas do telemarketing despacho com delicadeza (afinal, é o trabalho delas), relatando-lhes minha penúria econômica – o que logo as faz desinteressadas de “alvo” tão indigente. Acossado por e-mails, levo a melhor: deleto, sistematicamente, toda e qualquer mensagem que não seja de pessoa conhecida. Abordagens postais vão para o lixo sem leitura. Quase todo mundo faz isto.

Digo quase, porque, semana passada, o logotipo no envelope de uma carta − dois corações entrelaçados – abriu a guarda do meu amigo, Otávio. Quis conferir. Imaginem! Convite para inauguração de um Motel! “Convidamos V. Exa. e excelentíssima família...”
É muito bom morar no interior, pensou o Otávio, diverte-se sem sair de casa.

Quando é assim – disse-me ele – prefiro não rir sozinho. Chamei minha mulher e rimos de acordar o gato. Depois começamos a analisar o convite. Estava claro que o remetente usara a “mala direta” de algum banco ou de concessionária de serviço público. São uns sacanas – concluiu.

Felizmente, a esposa do Otávio é mulher sem grilos. Jamais suspeitaria da proximidade do marido com o mundo dos motéis. Nem ele, carola e sistemático como é, compareceria a um evento de tal ordem. Mas imaginem o estrago que um convite assim pode trazer a lares menos estáveis.

Claro que muitas outras pessoas também foram convidadas e passaram a entender a edificação escalafobética que vinham erguendo na entrada da cidade. Supunha-se uma igreja evangélica. Mas não. Era motel e o programa da inauguração estava ali.

A partir do meio dia de sábado, recepção aos convidados e autoridades (“Favor apresentar este convite”). Em seguida, bênçãos ecumênicas das dependências. Almoço, com início às 13 horas, no pátio interno, “facultadas visitas, sem caráter íntimo, aos apartamentos...”

E eu jurava que motel vinha caindo de moda! Os jovens não se escondem mais para fazer sexo. Aposto que nós, os coroas, somos o público alvo do projeto.

Vamos reler. O convite é para almoço e para conhecer os apartamentos. Nada de desarrumar as camas. Aquilo que advogado de paletó xadrez chama de “animus fornicandi”, nem pensar! Autoridades comparecerão e serão recepcionadas... É coisa para velho, sim. E vai ter discurso. Certamente executivo e legislativo municipal estarão “bem representados”, dúvidas não pairando quanto à sutileza cetácea das falas sobre o “moderno empreendimento” e seus “legítimos propósitos” sexo-recreativos.

Minha curiosidade maior empacou nas “bênçãos ecumênicas”, previstas para as serventias do prédio. Já imagino o padre, o pai de santo, o pastor, o rabino, o imã dos crentes, todos de aspersórios às mãos, borrifando bênçãos aos espelhos do teto, frigobares e camas redondas. Isto não existe!

Se até sábado me der coragem, pego o convite do Otávio e vou lá conferir. Talvez recite uns versos:

“O sexo contém tudo: corpos, almas,
sentidos, provas, purezas, delicadezas,
resultados, avisos,
cantos, ordens, saúde,
o mistério materno, o leite seminal,
todas as esperanças, benefícios,
todas as dádivas, paixões, amores,
encantos, gozos da terra,
todos os deuses, juízes, governos, pessoas no mundo com seguidores.
Tudo isto no sexo está contido,
ou como parte dele ou como sua
razão de ser”.

Se alguém perguntar:
-Isto é seu?
É claro que direi:
-Não, cara, isto é Walt Whitman!
₪₪₪₪₪₪₪₪₪₪₪
(Publicado em 01.07.2010 em http://oglobo.globo.com/pais/noblat/mariahelena/)

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