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sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

Paradigma #

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(Publicada em 25.02..2010 em http://oglobo.globo.com/pais/noblat/mariahelena/)
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Quando Francisco I, rei de França, perdeu para o exército dos Habsburgo a batalha de Pavia, no Campo de Mirabello, disse para sua mãe: “Está tudo perdido, menos a honra.”
No Brasil de hoje a realidade é inversa à de Francisco I: perdemos toda a honra, menos o chão.

Vivemos uma entressafra de premissas morais. Nossos homens públicos ignoram regras de cidadania e o respeito devido às leis. A cultura é a do oportunismo descarado. Ética, dignidade, honradez, decoro, integridade de caráter, são princípios presentes apenas no cinismo dos discursos enganadores. O dinheiro é a medida de tudo, não importando de onde vem nem como vem – nas meias, nas cuecas, no paco, na valise, no fundo falso das malas.

Impossível não invocar a lástima do tribuno romano ante o vício e a corrupção da Roma de seu tempo: Ó tempora ó mores! (Ó tempos, ó costumes!) Lá se vão 2.073 anos. Cícero discursou no ano 63 a.C.! Há dois milênios, portanto, o senador romano – que, aliás, veio a ser assassinado – verberava ausência de moral por lá, essa maldita praga que os séculos não dissiparam.

Já a palavra latina “mores”, passou ao português no vocábulo “moral”, que os políticos brasileiros conhecem apenas de ouvir falar. Seríamos nós, seres humanos, deficientes morais atávicos?

Talvez. Pelo menos quanto à moralidade pública - aquela que em tese somos capazes de intuir e desejar – mas que na prática resiste a firmar-se como regra. Eleitos para cargos públicos, os cidadãos se tornam cegos à prevalência das normas do estado de direito, passam a não mais discernir entre o público e o privado. Como se o exercício da política acanalhasse as pessoas.

A sociedade reage em espasmos ocasionais. Imprensa e ministério público às vezes os importunam levando alguns, não ao abandono, mas ao aprimoramento das práticas delituosas. Os tribunais hesitam: estará mesmo o Brasil preparado para encarcerar “pacientes” de terno e gravata? Mudanças culturais exigem a ajuda do tempo.

Enquanto isto, fazendo tábula rasa das instituições e das leis, políticos insubmissos aos mais comezinhos preceitos da decência violentam a inteligência circundante:
- Pães com frutas cristalizadas para o povo!...

Para Thomas Kuhn, físico americano célebre por suas contribuições à história e à filosofia da ciência, um aparato de idéias, definições, regras, costumes, modelos, métodos, práticas e recursos escolhidos por um determinado segmento humano, constitui o “paradigma” dessa comunidade.

Qual seria então o “paradigma” da classe política brasileira? A corrupção e o uso máquina pública em proveito próprio? Certamente. Mas podemos simplificar e dizer, sem risco de exagero ou erro, que o “paradigma” da classe política brasileira é o furto. Simples assim. O furto. Independente dos eufemismos.

Em artigo não muito recente, Frei Betto escreveu que só se “evita criar espertos através de uma rígida educação ética”. Certo, porém problemático. Pra começar não existe punição prevista para a falta de ética. Somente nos estatutos de algumas categorias profissionais a ética é objeto de lei com previsão de sanções.

A ética tem que vir do berço, da formação familiar do indivíduo. Não há como ministrar princípios éticos a adultos com vícios e desvios de caráter. Vá explicar a eles que “dar a volta na lei” é algo antiético, e não prova de inteligência e astúcia!

Só para citar um exemplozinho bobo, que muitos dirão nem vir ao caso: A lei brasileira fixa um prazo a partir do qual a propaganda eleitoral é permitida. Antes desse prazo, a propaganda é ilegal.

Às vezes fico pensando como pode alguém que deseja ter em suas mãos o destino de um povo ser capaz de simplesmente fingir que uma lei não existe.

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