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segunda-feira, 9 de novembro de 2009

De Leopoldina a Panambi

***
Agosto, 2003

"Existe no homem um princípio que o leva a aspirar
continuamente por um estado mais elevado, qualitativamente 
diferente de seu estado atual, e só assim pode ele cumprir
seu verdadeiro destino".
Kant

Nossas casas ficam nos municípios e os municípios estão em crise. Cidades existem, neste ano de 2003, sem recursos sequer para trocar lâmpadas queimadas nas ruas, como é o caso explícito de Mococa, no interior de São Paulo, que já tirou o arroz da cesta básica e da merenda escolar.

Pra todo lado campeia a inadimplência do IPTU e a retração nos repasses do FPM (Fundo de Participação dos Municípios) é enorme. Pelo país afora já se considerou até a paralisação de prefeituras. Alguns prefeitos defendem a divisão da CIDE e da CPMF com as cidades e, se possível, a municipalização do ITR (Imposto Territorial Rural). Mas será que resolve?

A julgar pelo que afirma o pesquisador Eduardo Andrade, do IBMEC – Instituto Brasileiro de Mercado de Capitais, a atual crise dos municípios brasileiros não se resolve com simples redivisão de tributos. Entende Eduardo - dos mais autorizados economista do IBMEC - que só existem duas saídas para os municípios: as cidades se tornarem sustentáveis com recursos próprios ou buscarem fusão com outros municípios.

O problema remonta à Constituição 88 que tornou muito atrativo a qualquer pequena comunidade transformar-se em município para viver de repasses federais. Só que a fórmula vem “fazendo água” passando, inclusive, a aumentar muito a distância entre municípios ricos e municípios pobres, revelando ainda, os estudos do IBMEC, que cidades do norte e nordeste do país estão cada vez mais longe de atingirem a média da renda per capta nacional, enquanto municípios do centro-oeste, sudeste e sul, em alguns casos, até superam esse nível.

O que não garante a cidades pequenas, mesmo destas regiões ditas privilegiadas, posição cômoda. Sabemos, por aqui, de municípios menores do entorno de Juiz de Fora à beira do colapso financeiro, ao que dizem seus transtornados prefeitos nos jornais da TV. São casos e casos.

Não é o contingente populacional que, sozinho, faz a diferença. Quem viaja pelo sul do país pode, às vezes, encantar-se com o desempenho de comunidades bem pequenas. Ficando apenas num exemplo, seria muito bom que alguns desses nossos prefeitos atormentados fizessem uma visitinha a uma pequena cidade do noroeste do Rio Grande do Sul, chamada Panambi. Trata-se de um pequeno paraíso econômico.

Anotem estes dados: população, 33.000 habitantes. Algo bem próximo da metade de Leopoldina. Fica a 280 km da capital, Porto Alegre. Isto é, fica mais longe da capital gaúcha do que nós estamos do Rio de Janeiro e, praticamente, na mesma distância que nos separa de Belo Horizonte. Com menos de cem anos (Panambi é de 1914) o município não tem vocação produtiva a descobrir, porque seus administradores já descobriram há muito tempo que a vocação do lugar seria o “agronegócio” e, depressinha, a fizeram conhecida como a “Cidade das Máquinas”, sendo hoje o terceiro polo metal mecânico do Rio Grande do Sul.

A fórmula do milagre é pública, não havendo segredo: simplesmente fizeram a escolha, elegeram como prioridade um sistema educacional de formação técnica específica e criaram a infra-estrutura correspondente. Raciocínio tão rudimentar como: se no meu município passa um rio que tem peixe, não me adianta formar especialistas em bordado, corte e costura... Faço logo um centro de formação e apoio a pescadores e monto uma estrutura pesqueira!

A pujança da pequena Panambi é tal que ela passou a “importar” trabalhadores das cidades vizinhas, uma vez que os panambienses vivem em situação de ampla ocupação. O famoso “Pleno Emprego” da teoria econômica! Passou a faltar mão de obra local. São 276 indústrias locais empregando 8.000 habitantes da cidade, batendo recordes de geração de vagas. No ano 2.000 foram 300 contratações acima das demissões. Em 2.001 chegou-se ao dobro: 600 contratações acima dos dispensados. E, em 2.002, foram 1.400 contratações acima dos que deixaram o emprego.
Ônibus cedidos pelas prefeituras das vizinhas cidades, de Cruz Alta e Ijuí, transportam diariamente funcionários para suprir a mão-de-obra de Panambi.

De um modo geral, nas indústrias e agronegócios de Panambi os salários ditos de “chão de fábrica” começam com R$400,00 subindo à média de R$700,00 mais Plano de Previdência privada, participação nos resultados e outros benefícios. O recrutamento funcional se concentra, a priori, nos cursos técnicos do SENAI e do Colégio Evangélico, segundo explica o técnico Carlos Bicca, do grupo Fockink.

Tem mais, em Panambi o SUS dá certo. Não existe atendimento ao nível da indigência. O Hospital não está falido e os médicos recebem pelo que fazem. Lá, foi adotada a Gestão Plena da Saúde, no ano 1994, e o índice de atendimento aos segurados do SUS é de 92% da população (mesmo índice da Casa de Caridade Leopoldinense). Ao contrário do que estamos acostumados a ouvir por aqui, nem Prefeito nem Secretário de Saúde em Panambi acham que “Gestão Plena da Saúde” é palavrão.

Homens públicos conscientes, rara avis in terris, sabem que isto representa uma responsabilidade maior, sim, mas da qual têm eles o dever humanístico de se desincumbir, para que doentes pobrezinhos não sofram com a reincidente falta mentirosa de vagas quando, na falta de recursos locais, são transferidos para os tais centros de referência... sempre com limites SUS esgotados.

Espancando dúvidas, transcreve-se o que diz o prefeito de Panambi sobre o SUS:

“O SUS foi conquistado pelo povo brasileiro e está consolidado na Constituição Federal, sendo um direito deste e um dever dos governantes colocá-lo à disposição da comunidade, o que aqui foi feito desde o princípio.”

A quem importe saber, esse baita prefeito de Panambi, Miguel Schmitt-Prym, é um companheiro rotariano de 66 anos, um italo/brasileiro, nascido em Carrara. Apesar de jornalista por profissão, já foi escolhido Secretário Municipal de Saúde em duas gestões anteriores, foi governador do Rotary no ano de 1998, presidente da Associação Comercial e prefeito de 93 a 96. Sem dúvida um cidadão brilhante, desses que a virtude parece desbordar da própria biografia. Ele personifica o exemplo vivo de como administrar uma cidade no simples e direto interesse da coletividade.

Proveitosa é a colheita numa experiência edificante e, melhor ainda, encontrar nas pessoas um pouco daquilo que Immanuel Kant identificava como verdadeiramente essencial no homem.
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(Publicado no jornal LEOPOLDINENSE de agosto de 2003)
NOTA: Vide outro título, "A Crise dos Municípios".

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