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sábado, 5 de fevereiro de 2011

Memórias do Colégio Leopoldinense


Foto de 1957: Geraldo Hélio Coelho, Custódio Rodrigues Junqueira, Prof. Geraldo Bertochi, Cônego José Ribeiro Leitão, Prof. João Batista Alvim e José do Carmo Rodrigues.
Agachados: Andréa de Albuquerque Andrade, Francisco Mendonça Gama, Maria José Jardim Junqueira, Arlen José Fontes Freire e Maria Carmen Junqueira Monteiro de Barros (3º Clássico).

Junho, 1985
Como se 1950 fosse ontem, muito compenetrado naquela farda de brim cáqui chegava eu da minha roça para o admissão ao ginásio após rápida passagem pelo Grupo Novo, sala de Da. Climene Godinho. Fizera o primário com minha mãe, Da. Pequetita professora da Escola Rural do Bairro da Onça.

Cursei o secundário residindo na roça. Foram anos de idas e vindas no dorso do meu cavalinho Guarany (com "y”, por favor, ele gostava assim). Sete quilômetros para ir, sete para voltar. Primeira aula às seis-e-cinquenta, com o Joaquim Guedes Machado! É mole?

O salto da cama às quatro da matina, o banho frio, o café e a sela bem afivelada para o galope de uma hora até Leopoldina.
O Guarany dormia preocupado!

Na cidade, amarrava meu semovente pequira em frente ao armazém do Joaquim de Oliveira, na Rua das Flores, esquina com João Neto. Dali ao colégio, pisava torto o meu sapato preto, marca Tank, meia-sola de pneu Dunlop. Seu Badaró, o ferrador de animais com ponto fixo naquela esquina, nem sempre impedia que gazeteiros contumazes cavalgassem o extenuado castanho durante o sagrado horário escolar em que hauríamos de nossos mestres preciosos ensinamentos e conceitos, nem sempre bem assimilados, como este que o Prof. Amil Adum gravou para sempre no meu cérebro: The tulip is a beautiful flower, but the rose is more beautiful.

A conversa, porém, estava nos filantes clandestinos do meu cavalo. Sei o nome dos sacanas, mas vão ficar no anonimato por desaforo e para homenagem póstuma ao meu maltratado Rocinante, do qual eles tanto abusaram.

A bem da verdade, outro fato me persuadia a deixar o cavalo mais longe e chegar a pé ao Colégio: o Guarany era terrivelmente flatulento e me matava de vergonha toda vez que, arqueando o rabo, dava de amarelar os cascos na presença de garotas. Aquele tiroteio! Um vexame!

A sala do Curso de Admissão (sala-13) ficava em frente ao gabinete de história natural. Uma turma imensa, na qual só dois colegas me eram conhecidos: o primo Dilton Godinho Rodrigues (hoje presidente da Petrocoque - a estatal do grafite), e José Godinho Neto (no Banco do Brasil – Ag. Copacabana).

Curioso que, daquela velha classe, o patronímico incomum me congelou na memória o nome do José Sinfrônio... Ele, entretanto, sumiu no mundo. Não cursou a primeira série com a gente e jamais se falou nele após 1950.

Na mesma prateleira de nomes singulares conservo o do Estigarríbia, o Tiguinha, e o apelido do Bochano (José Alexandre Velasco do Oliveira). Carrano, nosso boníssimo José Hernane, nos deixou ainda jovem. Faleceu pouco tempo depois do ginásio, o Carrano.

No curso admissão pontificava o Tenente Enock, velho professor de contabilidade. Era bravo que só ele! Pela vivência militar, a custo devia suportar tanta adolescência em ebulição. Às vezes, também paternal, Tenente Enock chamava os trambelhos às falas erguendo na ponta do dedo a ementa de sua formação castrense:
- Um brasileiro não ri! Tenha compostura, seu moço! Eu não sei se estou falando com um futuro presidente da república!


E o Enockinho, hem? Há tempos o vi desejando um táxi, na calçada da Av. Rio Branco, no Rio de Janeiro, em frente à Biblioteca Nacional. Era advogado da Procuradoria Municipal do Rio. Fomos colegas na Primeira-C. Enock, aluno aplicado, sempre sentado na carteira da frente, aquela de mesa baixinha, incômoda. O Prof. Machado passava a mão suja de giz na cabeça dele, num afago:
- Ôoo Inuquinho!!!

Aliás, recebi muito mal minha classificação para a Primeira Série-C. Considerei uma captis diminutio. Aborrecia-me não ter ido para a Primeira-A. O motivo nem eu sabia. Talvez o charme da precedência alfabética do "a", ou algum instinto benigno dentro de mim almejasse mais proximidade com as garotas da Primeira-A. Na “B” e na “C” éramos todos homens.

Ah, as meninas românticas dos anos dourados! Seriam perfeitas não fossem o laquê e a Miss Suéter!...

Com o tempo, entretanto, assimilei a Primeira-C.
Tínhamos um time de futebol graças ao Kleber Lacerda Botelho que, um pouco mais velho, liderava o recreio. Muito engraçado e comunicativo, Kléber dispunha da energia saltitante de um passarinho silvestre. Contava piadas zombando de si mesmo, era muito engraçado.

Kléber tinha uma perna bem mais curta que a outra, mancava, e, como garoto que amava os Beatles e os Rollings Stones, seguramente não era belo. Ligeiramente estrábico, canhoto, adquiriu uma cicatriz no supercílio em demonstração de habilidade ciclística para a namorada, soltando a mão do guidão, em frente ao açougue do Bechepeche, na esquina de Rua Tiradentes com a Praça do Rosário. A roda dianteira resvalou numa costela de boi roída pelos cachorros, abandonada na rua. Kléber foi de testa ao meio-fio...

No nosso time ele era técnico, goleiro e comentarista esportivo. Armou a escalação rimada em "é" para anunciá-la no tom apocalíptico dos locutores do rádio, com uma raiz de pau à mão, valendo como microfone:
-Estamos entrando em campo com, Kleber, Dirto e Mané; Isaac, Pompílio e Faé; Saratoga, Warto, Warmir, Feliciano e Izé!


Dilton, era o Dilton Godinho Neto; Mané, o Manoel “Jumento", zagueiro que entrava duro nas divididas; Isaac, o Isaac Hadad Berbari; Pompilio, era o Pompílio Bastos Lima; Faé, o Rafael Domingues; Saratoga, era este escriba, com seu primeiro apelido no Ginásio, inspirado em vagabundérrima marca de cigarros - na segunda série promoveram-me a Buraco, o apelido que ficou; Walter, era o Walter Juber Evangelista da Mata, de Piacatuba; Walmir, era o Finamore, de Cisneiros; Feliciano, o Barbosa Pires, de Piacatuba; e Izé, era o José Godinho Neto.

Essa poderosa esquadra na qual eu mal pegava reserva (o anúncio era galhofa), certo dia, em 1951, foi enfrentar o time do Seminário em seu próprio campo, na convicção de que padre não joga nada...

No time deles o ponta-direita atuava de batina (um jovem secular), mas tinha velocidade (regular) de capeta e nos penitenciava com cruzamentos amaldiçoados, pelo alto, endereçados a testa de um centroavante gigantesco e avassalador chamado Joaquim de Mello. Da cabeça do Joaquim, a bola ia, religiosamente, para a nossa rede. (Joaquim fez ginásio no seminário, depois direito e carreira no Banco do Brasil, no Rio de Janeiro). O meia-esquerda deles era o Zéca Fajardo (José Fajardo de Melo Campos), na época também um iniciado. Outro craque. Não achamos a bola.

A memória me poupa o placar final daquela fatídica pugna ludopédica. (Obrigado, Prof. Batista, aceite meu carinho na moeda de tua própria simpatia conosco:
- Magister pulcher et magnus est!)

Nosso professor de Latim brincava com os alunos pronunciando esta frase, em suposto benefício próprio, que significaria:
- O professor é belo e grande...

Quanto ao jogo, lembro-me apenas que o primeiro tempo já terminara em oito a zero para os seminaristas.
Contundido, logo de saída, Kléber entregou a camisa de goleiro para o Regra-3, Robertinho (Roberto Ladeira Fontes), baixinho de mal alcançar a cintura do impiedoso centro-avante Joaquim, que passou 90 minutos no sacerdotal mister de golpear para nossa rede todo objeto esférico que transitasse sobre a área. Até asteroide vadio.
Jamais na história do dito esporte bretão um goleiro terá pago tão caro sua - digamos - deficiência nas bolas altas. Foi um massacre. Procurou-se evitar a palavra revanche.

Coisas da Primeira-C. Dali em diante a gente foi crescendo e curtindo as gamações, os footings, os bailes das semanas de Exposição, os mestres, os amigos, o timaço da Liga, o TG-98, a Leopoldina Orquestra, o Baralho da Vida * ...

Diria que foi tudo muito lindo. Mas que parece bolero, parece.
₪₪₪₪₪₪₪₪₪₪₪
(Jose do Carmo Rodrigues - Turma de 1957 - Publicado em 1985 no Jornal Reencontro, dos ex-alunos do Colégio Leopoldinense)

(*  “Baralho da Vida” é uma famosa canção composta por Ulisses de Oliveira, ex-baterista da Leopoldina Orquestra, gravada por Dora Lopes, em 1953. Foi sucesso nacional e teve muitas outras gravações, inclusive de Cauby Peixoto e Ângela Maria. Conheci Ulisses entre 1951/1953, como (também) pensionista na pensão do Sr. Nem Fajardo, na Rua Tiradentes, onde é hoje a Padaria Santa Terezinha. Soube que faleceu, há alguns anos, em Juiz de Fora.)

3 comentários:

  1. Linda crônica, Zé do Carmo. Obrigado pela carinhosa referência ao Prof João Batista Alvim, meu querido e saudoso pai. Abraço forte.

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  2. Fui lendo e imaginando as pessoas, os lugares, os sentimentos. Tudo tão familiar que pude ver dona Belinha, minha Professora de Português.

    Eu adoro seus escritos, José do Carmo Rodrigues. Parabéns pelo talento admirável. Escrever assim, decididamente, não é para qualquer um. Um abraço fraterno.

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  3. Será que alguém tem cópia em mp3 do "Baralho da vida", da Dora Lopes? Quem tiver mande para meu email: samafil@bol.com.br. Agradeço.

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