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segunda-feira, 26 de outubro de 2009

Leopoldina dos Inativos

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Julho, 2003

Sobre a Reforma da Previdência que sempre vem à tona, a algumas pessoas parece faltar a dimensão do quanto é importante para uma comunidade abrigar o maior número possível de elementos com bom poder aquisitivo.

Trata-se do óbvio, mas lembro-me que pouco antes da informatização reduzir a menos de um terço o contingente bancário em nossa cidade, ouvi de um empresário local - logo de um empresário, imaginem! – palavras pesadas contra funcionários do Banco do Brasil e da Caixa Econômica que, segundo ele, eram demasiados e ganhavam salários “altíssimos”, absurdos. Desses dois órgãos, não poupava nem os aposentados.

Era mesa de amigos e todos perceberam que o ódio do inconformado orador não se dirigia exatamente à política salarial dos bancos, mas ao nível de vida de uma cunhada bancária, exibicionista.

Na verdade, diga-se, a razão desse bobo ciúme a vizinhos e a achegados sempre correu mais por conta do instituto da Alienação Fiduciária que dos bons ordenados dos bancários. Desde o milagre brasileiro, e por um bom tempo, houve crédito à vontade, e ainda há, para celetistas andarem por aí de carro zero, financiado sob vinculação fiduciária. Ou seja, o carro reluzente não pertence, de fato, ao presunçoso motorista, mas a um agente financeiro. O motorista não passa de um pagador de prestações mensais altíssimas, grávidas de juros e taxas, e, aquele que o inveja, um simples equivocado. Mas, pelo menos, corria mais dinheiro na cidade, naquele tempo.

Não sei agora, tempos depois, se nosso homem de negócios estará feliz com a grana curta que anda por aí, que se não mais permite a ostentação social da cunhada antipática, também não lhe permite sonhar com clientes no negócio que toca.

Os bancários voaram como ararinhas azuis para o rol das espécies em extinção. Qualquer dia os Bancos instalarão terminais eletrônicos na cabeceira de nossa cama. Leopoldina que já somou uns 250 bancários, nos bons tempos, não conta hoje com metade desse pessoal, que construía casas, empregava mão de obra e comprava no comércio. A classe foi drasticamente reduzida e a grana dos que permaneceram, anda curtíssima.

Repartições públicas e autárquicas também passaram a aplicar essa política de redução de custos com pessoal, conhecida pelo besteiro cognome de enxugamento da folha. Para redenção do comércio e da indústria, sobram os aposentados daqui somados aos aposentados d’acolá - de São Paulo e Rio de Janeiro - que, escolhendo cidades como Leopoldina para escapar das balas perdidas, acabam bafejando algum alento na economia municipal.

Nossa professora de geografia, do velho Colégio Leopoldinense, em alusão clássica à importância do Rio Nilo na economia egípcia, ensinava: “O Egito é um presente do Nilo!” Pois bem, Leopoldina é hoje um presente da inatividade. Raro, nesta terra, o tilintar de moeda que não proceda de um bolso aposentado.

Se assim é, tapete vermelho para sua excelência o inativo, o jubilado, o reformado, o aposentado. Tal como na seresta, respeitemos seus “cabelos brancos” nos supermercados, nos postos de gasolina, nas lojas de material de construção, nos açougues, nos restaurantes, nas farmácias, nos consultórios médicos, nos laboratórios de análise. Eles estão oxigenando a economia da cidade.

A verdade é que quando esse pessoal se põe a salvo no interior, acaba melhorando aquilo por lá, revertendo o êxodo para as grandes metrópolis, e gerando oportunidades nisto por cá, fixando trabalhadores do campo em sítios, lares e chácaras, absorvendo mão de obra pouco qualificada nas cozinhas, negócios e quintais, ao mesmo tempo em que melhoram tudo por aqui promovendo verdadeira revisão social à luz de novos descortinos, novas experiências, dinamizando o consumo, a arrecadação de impostos e tudo mais quanto daí decorra.

Pena que já surge um probleminha. A pretexto de uma reforma previdenciária que precisa ser feita, começou a aparecer gente incomodada com a paz dos aposentados. Talvez obra das famigeradas raízes latinas. Nossa cultura é de valorização da pobreza, da penúria, do despojamento, da necessidade, do sacrifício, da dor, do fracasso, do drama... Somos um povo amarrado em letra de bolero. Vemos como demoníaco o sucesso dos anglo-americanos calvinistas, endinheirados, vaidosos, ostentadores de limusines, mulheres lindas e prédios raybanizados.

Latinos têm nariz torcido para quem vence na vida. Diz-se que a propriedade, em si, é uma violência contra quem não a possui; que “estado de direito” é trincheira do egocentrismo liberal; que “direito adquirido” é engodo dos que oprimem. Muito ao contrário, construir não é enfiar boné, berrar slogans, desrespeitar e invadir...

A impressão é de que o Brasil aspira a Serra Leoa. Apesar dos nossos índices sociais progredirem a olhos vistos (confiram-se os índices mundiais do IDH – Índice de Desenvolvimento Humano, recentemente publicados), nossa extrema esquerda não se cura da nostalgia pela penúria compartilhada, por uma imaginária divisão que generalize miséria e leve desestímulo aos que se preparam, enfrentam concurso ou lutam a vida toda em seu negócio, encanecendo-se mais cedo na sustentação de seus projetos. Insistem na afirmação de uma justiça social utópica, niveladora por baixo, sob a lógica da pedrada em bodes expiatórios, como se lhes fosse possível garantir 170 milhões de vencedores a um só tempo.

Não demora, a minha Leopoldina, MG, corre o risco de não contar mais com as moedinhas preciosas de seus inativos... pelo que me consta, nem tão inativos assim.
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(Publicada na Gazeta de Leopoldina de 30.07.2003)

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