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sexta-feira, 8 de fevereiro de 2013

Elvira está bem


***                                   

É isto aí, Ascânio. Imagine que hoje pela manhã, ainda à mesa do café, Jalcira e eu falamos de você e Elvira. Principalmente daquele passeio que vocês nos proporcionaram ao litoral do Espírito Santo. Impossível esquecer a praia rasinha de Piúma, onde a gente entrava no mar e ia andando toda a vida na direção do continente africano e nada de molhar o joelho. Água apenas nos tornozelos.

Ora, se me lembro! Vocês foram ótimas companhias. Elvira e eu adoramos aqueles dias agradáveis com jogo de canastra entrando pela madrugada, cerveja e Peroá com mandioquinha frita na praia. Pena que não bisamos a oportunidade.
É a vida moderna, essa desagregadora de afinidades!

Quanto à Elvira, não poderia estar melhor. Foi recepcionada, ontem, por uma grande amiga de solteira, a Antonela, em cerimônia linda, segundo acaba de me relatar o Lulu Batuta.

− Ah, sim, conheço, o seu chofer.             

Exato. Lulu Batuta é baiano do interior que, muito ao contrário do estereótipo atribuído aos baianos, nunca foi chegado a festas, a coisas estrepitosas. Cara circunspecto, sempre na dele, que nem conhece a buliçosa Salvador. Pois foi este homem que ficou fascinado com a toarda que fizeram, ontem, em homenagem a Elvira. Aquela pá de gente ligada, alegre, cantando, dançando... Todo mundo de Abadá branco!  

Claro que a mais empolgada na recepção foi a mãe dela, Da. Lilá, a responsável, aliás, por verdadeiro tributo à pessoa da filha. Incrível, cara! Festa regada a espumantes requintados e canapés da mais erudita facção culinária.

Sinta a criatividade da Sogrona. No auge da confraternização, que até poderia ser dada como fashion – traço incorrigível da personalidade de Da. Lilá −  surgiu ela com uma surpresa. Erguendo, com a mão direita, a toalhinha de linho que cobria uma bandeja de prata espalmada na mão esquerda, descerrou bem na face de Elvira sua tradicional Broa de Fubá feita com banha de porco e erva doce − a guloseima que minha adorável esposa ama de paixão!  

Apoteótico! Não tem outra palavra:  Apoteótico! Todos os convidados batendo palmas, cantando o “Parabéns pra você”, o “Com quem será”... De arrepiar! Do jeito que o Lulu Batuta me contou, cheguei a me emocionar. Verdade, cara, a me emocionar!

− Sabe que, em mim, Broa de Fubá dá azia?

Em mim também, mas Elvira sempre foi vidrada em Broa de Fubá. Criada na fazenda, não é...  Como disse o Batuta, não tinha pra mais nada.

− Pera aí, Ascânio. Vamos chamar nossa conversa à ordem. Pode não ser o que você realmente disse, mas estou entendendo que seu chofer, o Lulu Batuta, teria conduzido Elvira, sua esposa, a um passeio à Bahia, onde atualmente residiria sua sogra. Isto me deixa muito feliz, meu velho!  Apenas confuso porque a notícia recebida lá na repartição é que sua esposa, Elvira, faleceu ontem, de disparada cardíaca, e que o enterro seria daqui a meia hora, exatamente neste cemitério onde estamos.

Não por outro motivo, aliás, aqui estou – pelo visto trazendo condolências precipitadas, por mim e pelos colegas que não puderam vir. Ao chegar, há pouco, não tive dúvida de que  esta seria a mesma razão de sua presença neste velório. Sepultamento que de agora em diante passo a não imaginar de quem seja. Não obstante, contratempos à parte, é um alívio saber que sua mulher está viva, bem de saúde e a passeio na terra de Ivete Sangalo.

Não exatamente viva. Não exatamente na terra de Ivete. Sob  visão profana, sim, Elvira faleceu ontem e nós levaremos seu corpo à sepultura daqui a pouco. O que acabo de lhe passar é a alegria que experimentei, há poucos minutos, ao saber, pelo relato de Lulu Batuta, que minha companheira de tantos anos, apesar de formalmente morta, continua consciente, feliz, em animadas companhias lá no outro plano da existência.

Não pode haver conforto maior, cara. Sempre digo que o ser humano não se conhece; sabemos muito pouco do que somos e do que podemos. O Batuta não me contou de ouvir falar: ele teve uma  visão pessoal da chegada de Elvira aos umbrais do Paraíso!

− O motorista.

Sim, o Lulu Batuta. Ele é também Pai de Santo, entende, num terreiro muito bem frequentado – inclusive por advogados e militares reformados − ali em Vila Narjara. O que ele diz você pode escrever, Galdino.

− Claro, claro.

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(Publicada no LEOPOLDINENSE online e em http://www.bloghetto.com.br/ a 08.023.2013)

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