Março, 2005
Tenho quase certeza de que li
isto no próprio Nelson Rodrigues. Certa feita teria ele, Nelson, comparecido a
um sarau de granfinas levando consigo o amigo Otto Lara Resende. Nelson
participava de uma mesa redonda na TV onde o assunto era futebol, falava do seu
Fluminense, dizia coisas engraçadas, repetia bordões. Tornou-se personagem
muito popular, teatrólogo, jornalista, articulista, largamente conhecido e
festejado. Numa festa como aquela virava centro das atenções, ficava
inteiramente à vontade.
Já para o Otto a coisa
complicava um pouco. Embora comunicativo e simpático, era membro da Academia
Brasileira de Letras, homem de cultura, escrevia crônicas de qualidade nos
jornais, estava mais para intelectual do que para o jornalista. As pessoas
talvez temessem não poder sustentar um papo como o Otto. Ficavam arredias.
Principalmente os homens. Nelson, sentindo-o gauche no ambiente, fustigava: - “Seja
burro, Otto! Tem paciência, seja burro!...”
A
leitura desta frase, há uns 30 anos, tem mantido eriçadas minhas antenas para o
constrangimento em que se veem pessoas portadoras de alguma luz, tendo que
apagá-la para não “conspurcar” o ambiente.
Ou, como estaria na moda dizer, para agirem dentro do “socialmente
correto.” No discurso político há fartura de casos. Mas há um exemplo bem mais
acessível, todos os domingos, no comportamento do apresentador, Faustão, da TV Globo.
Quem
tem o dom de perceber nas entrelinhas sente que Fausto Silva não é bobo.
Sujeito inteligente, boa cultura geral, informadíssimo dos fatos da mídia,
domina com folga o vernáculo e tem vocabulário rico. Mas passa o tempo todo
fingindo que “nem tanto”, nivelando-se por baixo, como a melhor forma de sustentar
nível adequado a seu programa popular de variedades.
Não
faz muito tempo, andou perdendo IBOPE para o Silvio Santos. Alguém deve tê-lo
alertado: – Seja um pouco mais
burro, Faustão!... Parece ter
encontrado a medida. Quando é obrigado a dizer alguma palavra ou frase mais
apurada ele baixa a voz, sorri meio matreiro, afasta o microfone ou vira-se de
lado, como se não fosse “culpa dele”.
O
próprio Silvio Santos, ali citado, demonstra conhecer esse “caminho das pedras”,
de identificação com o público. Só que, no caso do Sílvio, dizem as más línguas
que ele não precisa fingir tanto...
Agora
que vocês estão avisados, comecem a observar a enxurrada de exemplos, entre
artistas e políticos, dessa busca desesperada de identificação com o povão.
Entrevistas são um maná. O entrevistado, quando é dos bons, contorna, gagueja,
faz de tudo para não parecer afetado, ou seja, inteligente.
O
Conde Afonso Celso – dizem − costumava frequentar a Confeitaria Colombo levando
sob o braço um tomo alentado, escrito em alemão, e caçoava com os amigos dizendo
que “aquilo” era apenas para impressionar as pessoas (“Conheço o meu povo”)...
Ele, hoje, não estaria com nada.
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(Publicado
no jornal LEOPOLDINENSE de março de 2005)
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