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quinta-feira, 1 de julho de 2010

Falar de Coisas #

***
“Sempre evitei falar de mim,
falar-me. Quis falar de coisas.
Mas na seleção dessas coisas
não haverá um falar de mim?”

(João Cabral de Melo Neto)


Tenho para mim que escrever sobre nossa terrinha interiorana, registrar o cotidiano dos dias que correm, é dever mínimo do cronista. A alguém certamente interessará um dia saber o que vai hoje pelos nossos bares, pelos clubes sociais, pelas lojas, calçadas e esquinas, onde, diga-se de passagem, o velho papo de futebol já não empolga tanto, depois de cinco campeonatos mundiais ganhos. Pode-se falar até de política.

Só que a política leopoldinense neste outubro de 2003 ainda não saiu da penumbra. A gente sabe que mais à frente as coisas se definem, mas, por enquanto, só existe uma definição: toda coligação é possível. Ninguém é tão fétido que não possa ser inalado nem tão indigesto que não possa ser deglutido. Se o problema for cruzar jegue com girafa, não será por falta de tamborete...

A confusão não melhora quando lembramos que a “situação” em Leopoldina, hoje, corresponde historicamente a uma gloriosa oposição. O atual prefeito é herdeiro político do velho PR de Enéas Lacerda França, via Sô Liliu, Manoel Lacerda, Artur Leão, Olivier Fajardo, Colatino Barbosa de Castro, Antônio de Oliveira Guimarães, etc., brava gente que em 1958 inaugurou a alternância do poder político nesta terra, elegendo o médico Jairo Salgado Gama para a prefeitura. Como a Lei Provincial que elevou Leopoldina a Vila é de 1854, conclui-se que esses homens, em 58, apearam um situacionismo de 104 anos!

Política é coisa complicada, apesar de Gustavo Capanema dizer, em seu livro Pensamentos, que é só “uma parcela de energia e outra de jeito”.

Mas podemos esquecer política e falar dos nossos produtores rurais em sua faina frustrante e descapitalizante de produzir leite e entregá-lo ao preço de custo porque as regras do comércio globalizado tornaram-se cruéis com o leite e o plantio de milho, arroz e feijão, por estas bandas, simplesmente desapareceu nos anos setenta, com a abertura das largas fronteiras agrícolas mecanizáveis dos serrados do centro-oeste.

Cazuza, o “barão vermelho”, queria uma ideologia para viver, nossa terra clama por uma vocação.
- Meus despenhadeiros por uma vocação! Bananas gostam de morro.

Quem sabe o Lalado, nosso campeão de vôo livre, pega uma “ascendente” para cinco mil metros de altura e, lá de cima, com olhos de águia, descola pra gente alguma coisa diferente daquelas que urubu só descobre pelo faro? Vai ver nossa vocação econômica é o próprio vôo livre. Se for, já tem gente conspirando: fincaram um verdadeiro paliteiro de postes bem ali, na Onça, nas imediações do local de pouso.

Um cronista que se preze pode anotar ainda os hábitos sociais em voga, o linguajar regional que a televisão vai homogeneizando pelos padrões (charmosos?) do Rio e de São Paulo. A moda no vestir, principalmente dos jovens, para quem o modelo americano decretou, há muito, o índigo jeans e o tênis branco como pièces de resistence na luta pela elegância.

Me parece, sim, que a um jornal de província cabe o registro que nele possamos deixar para a posteridade do que foram as gentes, as igrejas, as ruas, os riachos e as praças do nosso tempo. E aqui prontamente me assalta a lembrança do poeta argentino Jorge Luis Borges considerando este esforço do escritor:

-O homem se propõe à tarefa de desenhar o mundo à sua volta, de fixar para a posteridade o real e o sonho, o desgracioso e o belo, o comum e o inusitado, e segue neste mister, muito inadvertidamente e a seu próprio modo, cinzelando esculturas, pincelando quadros, mobiliando e povoando espaços, reinos, montanhas, mares, baías, navios, moradas, peixes, ilhas, cavalos e pessoas.
Nem dá conta de que as descrições que deixa, o cerne de suas palavras, a essência de suas imagens, entrechos e conceitos, nada mais se tornaram que a estampa de seu próprio rosto.

É um privilégio estar com Jorge Luis Borges.
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(Publicado no jornal LEOPOLDINENSE de outubro de 2003)

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