Março, 2004
Décadas pelo Brasil se passaram com a esquerda lutando pela
prevalência de um regime socialista que reduzisse as injustiças e as
desigualdades sociais, através do controle do Estado, sobretudo sobre os meios
de produção. O resultado foi um revide direitista de vinte anos de regime
ditatorial, militar, para enxergarmos que os direitos formais eram importantes
para aplacar arbitrariedades do poder e insubstituíveis na proteção dos
direitos dos cidadãos.
Vindo a queda do muro de Berlim, em 89, o fim da União Soviética
e a democratização do Leste Europeu, remanejou-se a ideologia socialista para a
afirmação dos direitos da pessoa humana, para a defesa das minorias, para a
reconstrução da cidadania, enfim, para movimentos sociais. Era a militância
revolucionária se engajando na luta pela justiça.
Paradoxalmente, a Justiça – em sua acepção científica –
arrostando o liberalismo, contabilizava conquistas em sentido aparentemente
oposto, propugnando por maior intervenção do Estado em favor dos mais fracos,
nas relações de trabalho, de consumo... Mas aí já é uma história para juristas.
Para além do Brasil, o mundo pós-segunda guerra, mais ou menos
imerso nessas mesmas preocupações edificantes, parecia até um lugar seguro. Mas
eis que de repente, alcançamos a derradeira década do Século XX com o
surgimento de incertezas para consideráveis áreas do mundo, como URSS, África e
Leste Europeu onde passaram a irromper problemas étnicos e políticos
adormecidos.
À tempestade
arenosa do Oriente Médio se junta a fuligem de duas torres gêmeas que vêm
abaixo em Nova York, na contrapartida do que Afeganistão e Iraque – este
segundo com sua segunda maior reserva petrolífera do mundo – transformam-se em
protetorado americano... Instala-se no planeta um claríssimo e muito concreto
desdobramento da nova pax americana.
Duas ocupações, com um precedente caribenho em Granada, talvez
emprestem sentido às bombas francesas, sem pé nem cabeça, erguendo cogumelos em
pleno período de distensão num atol do Pacífico Sul... Pode ser a França,
consciente do novo momento histórico, delimitando espaços.
Felizmente, nesses movimentos condoreiros do xadrez mundial, a
nós do terceiro mundo, vinham tocando não mais que cadeiras de pista. Mas eis
que, a 19 de agosto de 2003, o embaixador brasileiro, Sérgio Vieira de Mello,
morre tragicamente num atentado a bomba contra a sede das Nações Unidas, no
Iraque. Um pouco antes, uma cidadezinha do sul do país parava para enterrar um
anônimo pedreiro, desempregado, morto na Espanha, estúpida e aleatoriamente
incluído como parte num acerto provisório de contas entre dominados árabes e
dominadores ocidentais.
É quando ganha relevância o conceito de “importância” do Brasil
no xadrez da política internacional. Até quando nós, brasileiros, continuaremos
mais ou menos fora desse jogo perigoso?
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(Publicada no Jornal LEOPOLDINENSE de 31.03.2004)
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