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Em número recente deste jornal, publicamos soneto do Professor José Ribeiro Leitão, intitulado “Leopoldina”, em cujo verso final é mencionado o cognome da nossa cidade, “Atenas da Mata”, como “Nome que Aquino deu a Leopoldina”.
Neste 27 de abril de 2006, data em que Leopoldina comemora seus 152 anos, nossa homenagem é dirigida àquele grande homem que, um dia de passagem por nossa terra, concedeu-nos o glorioso epíteto. Afinal, além do culto professor e jurista, Dr. José Ribeiro Leitão, que pessoalmente o conheceu em Mariana, no ano de 1942, certamente não são muitas as pessoas, nesta cidade, sabedoras de quem, pela primeira vez, disse que Leopoldina é a “Atenas da Zona da Mata”.
Pois foi Dom Francisco de Aquino Corrêa, Arcebispo de Cuiabá,* homem de notável cultura e que, aos 32 anos, assumiu o governo do Estado do Mato Grosso - então provincia, a qual governou de 1918 a 1922.
Escreveu o soneto “Leopoldina” – segundo o Dr. José Ribeiro Leitão - quando aqui esteve, em 1927, em visita a Dom Aristides de Araújo Porto, então vigário da Paróquia de São Sebastião, depois Bispo de Montes Claros. Naquela mesma oportunidade, conhecendo Piacatuba, dedicou-lhe outro soneto - “A Cruz Queimada”, ambos constantes de seu livro “Poética Nova Et Vetera”.
Dom Aquino foi o único mato-grossense a compor o quadro da Academia Brasileira de Letras, graças aos inúmeros livros que escreveu. Foi também um dos principais incentivadores à fundação da Academia Mato-grossense de Letras e do Instituto Histórico e Geográfico de Mato Grosso. É considerado o maior nome da cultura no Estado, em todos os tempos. Um dos seus poemas, “Canção Matogrossense" foi oficializado através do Decreto n° 208, de 05/09/1983, como o Hino de Mato Grosso.
Dados biográficos da Academia Brasileira de Letras informam ter sido ele o quarto ocupante da Cadeira 34, eleito em 9/12/1926, na sucessão de Lauro Müller e recebido pelo Acadêmico Ataulfo de Paiva, em 30/11/1927. Dom Aquino era sacerdote, prelado, arcebispo de Cuiabá, poeta e orador sacro, nascido em Cuiabá, no dia 2/04/1885, e falecido em São Paulo, em 22/03/1956. Era filho de Antônio Tomás de Aquino e Maria de Aleluia Guadie-Ley Corrêa.
Cedo revelou sua inteligência, amor aos estudos e vocação religiosa. Iniciou estudos no Colégio São Sebastião e fez o curso no Seminário da Conceição.
Depois freqüentou o Liceu Salesiano de São Gonçalo, onde recebeu o grau de bacharel em Humanidades. Em 1902 ingressou no Noviciado dos Padres Salesianos de Dom Bosco, em Cuiabá, ordenando-se sacerdote em 1903 e iniciando curso de Filosofia. Em 1904 seguiu para Roma, onde matriculou-se, simultaneamente, na Universidade Gregoriana e na Academia São Tomás de Aquino, por onde doutorou-se em Teologia, em 1908.
Em 17/01/1909, já tendo recebido todas as Ordens Menores e Maiores, foi ordenado presbítero. De volta ao Brasil, foi nomeado diretor do Liceu Salesiano de Cuiabá, cargo que desempenhou até 1914, quando foi designado, por S. Santidade, Pio X, para titular do Bispado de Prusíade e Auxiliar do Arcebispo da Diocese de Cuiabá, missão em que foi investido em 1/01/1915, aos 29 anos, sendo, então, o mais moço entre todos os bispos do mundo. Em 1919, o papa Bento XV conferiu-lhe os títulos de Assistente do Sólio Pontifício e Conde Palatino. Em 1921, com o falecimento do Arcebispo Dom Carlos Luís de Amour, foi elevado ao Arcebispado de Cuiabá, recebendo o Pálio Arcepiscopal das mãos de Dom Duarte Leopoldo e Silva, arcebispo de São Paulo.
Em 1917, indicado pelo governo de Venceslau Brás como elemento conciliador, foi eleito governador do seu Estado para o período de 1918-1922. Ali se manteve à altura de sua consciência democrática, de sua capacidade construtiva e de seu profundo sentimento patriótico.
Amparou a cultura regional, tomando a iniciativa de fundar a Academia Mato-grossense de Letras onde, depois, como titular, seria aclamado por unanimidade Presidente de Honra. Criou também o Instituto Histórico e Geográfico de Mato Grosso, do qual foi eleito Presidente Perpétuo.
Autor de inúmeras e notáveis Cartas Pastorais, de discursos, trabalhos históricos e poesias, Dom Aquino Corrêa publicou Odes, o seu primeiro livro de versos, em 1917, seguido de Terra Natal, onde reuniu poemas de exaltação a Mato Grosso e ao Brasil, cheios de suave lirismo e fascínio por sua terra.
Mais tarde deu a público alguns trabalhos em prosa. Desfrutava de absoluto domínio da palavra do alto de uma tribuna. Não só como orador sacro era admirado, senão também na tribuna das conferências. Destacam-se a conferência magnífica sobre o “Centenário do Bispado de Cuiabá”, proferida no Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, onde foi recebido em 1926; a “Mensagem aos Homens de Letras”, proferida na Academia Brasileira de Letras; “A verdade da Eucaristia”, oração inaugural do V Congresso Eucarístico de Porto Alegre, em 28/10/1948.
Registra o acadêmico Corsíndio Monteiro da Silva que a voz de Dom Aquino reboava por sobre a multidão de gente silenciosa. Em frente à velha Catedral, a histórica Matriz, o mais jovem bispo do mundo, o maior orador sacro do seu tempo e já arcebispo de Cuiabá, sempre levava às lágrimas milhares de pessoas, com o seu comovente e esperado Sermão do Encontro, ouvido com o silêncio respeitoso reservado aos grandes momentos.
Dirigindo-se para o Senhor dos Passos, à sua direita, exclamava como o eco de uma palavra que ficou para sempre na História da Humanidade: "Ecce Homo! Eis aí o Homem! O Filho de Deus, que desceu do céu à terra para redimir os nossos pecados e nos salvar, e só encontrou incompreensões, insultos e sacrifícios! Ecce Homo! Eis aí o Homem! O Cordeiro de Deus, o Mensageiro do Amor entre os homens e que só encontrou entre eles desamor e crueldade, e a maldição de uma cruz, e o ultraje de uma coroa de espinhos! Ecce Homo! Eis aí o Homem!
Monsenhor Pedro Cometti, no seu livro "Dom Aquino Corrêa - Arcebispo de Cuiabá - Vida e Obra" escreveu: "Na segunda, terça e quarta feiras, os homens acorriam à Igreja do Bom Despacho para o tríduo de pregações, invariavelmente a cargo do Arcebispo. Ali, era o pai que falava aos filhos maiores, preparando-os, com palavra e coração de apóstolo, para o grande encontro com o Salvador misericordioso, no sacramento do perdão e com a sua humanidade e divindade na Comunhão Pascal. Pregava Jesus Cristo e Jesus crucificado! E seus sermões eram preparados, meditados, rezados. O grande orador, o poeta inspirado, transformava-se no apóstolo meigo, fervoroso, arauto de Deus que transformava corações".
Ao tomar posse na Academia Brasileira de Letras, em 30/11/1927, Dom Aquino Corrêa já era reconhecido como o maior tribuno sacro do Brasil, quando disse: Ao entrar para a Academia, senti que, também eu, galgava as alturas de uma acrópole, mas não de uma acrópole em ruínas, mas Acrópole imortal, onde os Propileus não perdem a elegância ática dos seus mármores, e o Partenão cristaliza, para sempre, o sorriso divino da beleza. É a radiosa Acrópole da nossa arte literária, da qual vós, Senhores Acadêmicos, sois as colunas vivas e gloriosas.
E, finalizando: Creio na literatura da razão e da fé, da esperança e do amor, da religião e do patriotismo; creio na literatura, que é uma alavanca de ouro, elevando os corações para o ideal e para a virtude; creio na literatura, que, à semelhança da olímpica Hebe, propina aos espíritos, em vasos de filigrana, os manjares da imortalidade; creio, enfim, na literatura, que à imitação dos cânticos de Moisés no deserto, acompanha, orienta e suaviza as marchas gloriosas da civilização para a Canaã dos seus eternos destinos.
Solenemente empossado na chefia do governo do Mato Grosso, Dom Francisco de Aquino Corrêa iniciou no dia 22/01/1918 a difícil missão de unir as correntes políticas do Estado envolvidas na "Caetanada", crise que teve início em 30/06/1916, quando o presidente Caetano Manoel de Faria e Albuquerque, aborrecido com os acontecimentos, requereu licença de 90 dias ao Legislativo Mato-grossense, mas a oposição, em maioria, pretendeu transformá-la em afastamento definitivo.
O presidente da República, Wenceslau Braz, interveio na questão e, em reunião realizada no Rio de Janeiro, representantes do Partido Republicano Mato-grossense firmaram um acordo para eleição de Dom Francisco de Aquino Corrêa, como candidato de conciliação ao governo estadual, no pleito marcado para 01/11/1917. Dom Aquino recebeu o Estado em difícil situação financeira, mas sob todas as dificuldades conseguiu realizar diversas obras públicas, de Norte a Sul do Estado.
Em 14/08/1918, a sua iniciativa de criar o Brasão de Armas de Mato Grosso foi transformada na Lei N.º 799. Durante seu governo ocorreu o bicentenário de Cuiabá, em 08/04/1919, com inauguração de várias obras: luz elétrica em Cuiabá, Praça Luís de Albuquerque (no Porto), onde foi colocado o obelisco de granito cinza originário de Corumbá, que as autoridades e o povo da "Cidade Branca" ofertaram à Capital mato-grossense pelo seu bicentenário.
Ainda durante as comemorações do bicentenário de Cuiabá, o governo de Dom Aquino Corrêa introduziu o automóvel na Capital do Estado e inaugurou as primeiras linhas de ônibus na cidade. Desenvolveu a cultura regional com a instalação do Instituto Histórico e Geográfico de Mato Grosso e da Academia Mato-grossense de Letras e realizou várias obras de grande importância como a inauguração da nova Igreja Matriz de São Gonçalo e as novas instalações das Oficinas do Observatório Meteorológico Salesiano, além de melhorias na Santa Casa de Misericórdia.
Dentre os trabalhos literários de Dom Aquinho destacam-se, ainda: “A Fronteira de Mato Grosso com Goiás”, “Cartas Pastorais”, “Uma flor do Clero Cuiabano”, “Nova et Vetera”, “Florileguim”.
Dom Aquino é, hoje, nome de um município no Estado do Mato Grosso com população estimada em 8.243 habitantes e área de 2212,73 km2. A prefeitura de Cuiabá confere o título honorífico “Ordem do Mérito Dom Francisco Aquino Corrêa” aos cuiabanos que se destacam em trabalhos em prol do desenvolvimento da Cidade.
Vê-se que o autor do nosso charmoso cognome, “Atenas da Zona da Mata”, não foi um homem qualquer e sabia do que estava falando. É nosso dever honrar e preservar a tradição para honra de sua memória.
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(Publicada no jornal LEOPOLDINENSE de 30 de abril de 2006)
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* Surgiram evidências, apuradas mais recentemente pela historiadora, Nilza Cantoni, de que Leopoldina já era cognominada “Atenas da Zona da Mata” bem antes do soneto de Dom Aquino. A propósito, ler nossa crônica “Leopoldina, Atenas desde quando?”
quinta-feira, 27 de maio de 2010
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