Foto: Dom Delfim Ribeiro Guedes
Sérgio França Filho prepara justa homenagem a um dos mais destacados vultos da história do município e nos pede algumas palavras sobre a magna figura de Dom Delfim Ribeiro Guedes, o primeiro bispo de Leopoldina.
Dom Delfim esteve à frente da diocese de Leopoldina de 1943 a 1960, ano em que nos deixou para passar à condução da diocese de São João del-Rei.
Foi um religioso de múltiplas virtudes e grande carisma, aguda visão humanista, incansável no atendimento ao extenso território do bispado leopoldinense, abrangendo 57 paróquias em 33 municípios, a saber: Leopoldina, Além Paraíba, Argirita, Astolfo Dutra, Barão de Monte Alto, Cataguases, Dona Eusébia, Estrela Dalva, Eugenópolis, Guarani, Guidoval, Guiricema, Itamarati de Minas, Laranjal, Miradouro, Miraí, Muriaé, Palma, Patrocínio do Muriaé, Pirapetinga, Piraúba, Rodeiro, Rosário da Limeira, Santana de Cataguases, Santo Antônio do Aventureiro, São Geraldo, São Sebastião da Vargem Alegre, Tocantins, Ubá, Vieiras, Visconde do Rio Branco e Volta Grande.
Para os católicos, os bispos sucessores dos apóstolos, recebem com a ordenação episcopal a missão de santificar, ensinar e governar, a eles confiada no âmbito de uma circunscrição definida, que tanto pode ser uma diocese, uma arquidiocese ou uma prelazia.
O episcopado é o último e supremo grau do sacramento da ordem. Aos bispos compete ministrar o sacramento da ordem de modo exclusivo e também, na Igreja Latina, o sacramento da crisma. Ordenar presbíteros e diáconos, bem como conferir ministérios são funções exclusivas do bispo.
Segundo o Código de Direito Canônico, "os Bispos que, por divina instituição sucedem os Apóstolos, são constituídos, pelo Espírito que lhes foi conferido, pastores na Igreja, a fim de serem, também eles, mestres da doutrina, sacerdotes do culto sagrado e ministros do governo." (Cân. 375 §1)
Ao garoto que fui, na década de 50, Dom Delfim parecia ser um sacerdote de hábitos reclusos. Não saia muito do Paço Episcopal. Praticamente, só era visto nas cerimônias religiosas.
O Colégio Leopoldinense, onde estudei de 1950 a 1957, pertenceu à Diocese de Leopoldina na maior parte desses anos e tinha o nosso estimado Monsenhor Guilherme de Oliveira como diretor. O Bispo, Dom Delfim, entretanto, que eu saiba, não visitava o educandário. Pelo menos jamais o vi por lá nos sete anos de meu curso secundário.
Uma única vez na vida posso dizer que vi Dom Delfim bem de perto. Foi pelos meus 9 anos quando recebi dele o sacramento da crisma, na Catedral.
Lembro-me das duas alas de meninos e meninas ao longo do corredor central da igreja, com seus padrinhos e madrinhas, e o senhor Bispo progredindo vagarosamente pelo meio, assinalando uma cruzinha de óleo na testa de cada criança. O choro da meninada ecoava na abóbada altíssima. Eu, já grandinho e protegido por minha madrinha, Maria Oliveira do Vale, sentia-me seguro, não chorava.
A doutrina católica ensina que através da crisma recebemos os dons do Espírito Santo: sabedoria, entendimento, conselho, fortaleza, piedade, ciência e temor de Deus. Dons que, em abundância maior ou menor, nos aproximam da vocação humana da santidade.
É certo que nem sempre logramos vivenciá-los convenientemente no mundo diversionista e capcioso em que vivemos. De minha parte, se não cultivei em plenitude tão altas virtudes, não terá sido por insuficiência das mãos sagradas que me ungiram naquele dia.
Sobre a humildade e os hábitos despojados de Dom Delfim, tenho o testemunho presente de meu colega de Curso Colegial Clássico e, depois, de advocacia no Rio de Janeiro, Enock Fonseca (filho do professor de contabilidade, Tenente Enock).
Enockinho, como sempre o chamamos, foi seminarista em Leopoldina e conta que Dom Delfim usava roupas simples, algumas bem velhas e acabadas. Presenciou, certa vez, no Palácio Episcopal, o Bispo absorto em seus pensamentos, ou talvez em orações, aparando distraidamente algumas linhas soltas, desfiadas, do punho de sua batina.
O Prof. Oíliam José, à página 44 do livro “Lições e Recordações”, Ed. do Autor, 2002, Belo Horizonte, MG, tece importantíssimas considerações sobre os “heróicos esforços” do bispo Dom Delfim Ribeiro Guedes, junto aos governadores de Minas, Juscelino Kubitscheck e Clóvis Salgado, e junto a deputados estaduais, para obter a estadualização do Colégio Leopoldinense e, com isto, garantir ensino ginasial a toda juventude de Leopoldina.
Não foram poucos os obstáculos a superar – diz o Prof. Oíliam – para que as autoridades aprovassem a compra do Colégio. A maior delas teria sido a falta de recursos financeiros por parte do erário estadual.
Sem embargo, a assunção do Colégio Leopoldinense, pelo Estado, se deu aos 14.02.1955, vindo a escritura de Compra e Venda do educandário a ser firmada em 7.12.1955.
Transferido ao Estado, o Colégio passou a denominar-se Colégio Professor Botelho Reis, depois Colégio Estadual Professor Botelho Reis, com a Lei 1.388, de 23.12.1955, assinada pelo filho de Leopoldina, então Governador do Estado, o médico Clóvis Salgado da Gama. Este, na qualidade de Vice-Governador, assumira a chefia do Executivo Mineiro em 1955, ocasião em que Juscelino Kubitschek precisou desincompatibilizar-se para viabilizar sua candidatura à Presidência da República.
Temos, portanto, que foi graças à visão sociológica e humana de homens como Dom Delfim, Mons. Guilherme e Clóvis Salgado – mas, notadamente Dom Delfim - que um colégio que antes, por ser particular, só tinha condição de oferecer instrução a alunos cujos pais detivessem recursos, a partir da estadualização passou a receber toda a juventude leopoldinense, independente da condição econômica.
Em crônica mais ou menos recente, publicada no jornal LEOPOLDINENSE, dissemos que, nós, ex-alunos da fase anterior à estadualização do Colégio, fomos testemunhas dessa nefasta realidade social. Não havia em Leopoldina, como certamente ocorria em outras cidades de igual porte no país, educação secundária para a juventude pobre. Ficava ela restrita à instrução primária.
Até os derradeiros anos da década de 1950 os colégios secundários da nossa região resultavam ser “colégios para ricos”, como tal entendido “aqueles que podiam pagar” os altos custos de uma instituição de âmbito regional, com instalações de ponta e professorado de alto nível. Se isto, por um lado, valorizava e projetava Leopoldina como um dos berços da cultura no Estado, por outro resultava na franca negação do direito de instrução secundária a filhos de famílias pobres.
Tal realidade só vem exaltar, da perspectiva histórica que o tempo hoje nos faculta, a grandeza humana do nosso primeiro Bispo, Dom Delfim Ribeiro Guedes. Vemos com absoluta clareza que ele soube discernir muito acima dos interesses estritamente materiais ao decidir que só o Estado de Minas haveria de fazer aquilo que a pequena Diocese de Leopoldina não tinha condição econômica de cumprir: patrocinar o ensino secundário para toda a nossa juventude.
Decidiu passar à propriedade do Estado o enorme patrimônio imobiliário do Bispado – com seu intangível histórico de valor incalculável, como um dos mais conceituados estabelecimentos de educação do país – por valor bem abaixo do comercial, exatamente por priorizar as necessidades de nossa juventude pobre, sem opção de estudo.
O preço que a Diocese recebeu pela venda do Colégio – afirma o Prof. Oíliam José, no livro acima citado - foi quase que totalmente consumido nas indenizações trabalhistas ao professorado e ao pessoal administrativo.
A grande obra do nosso primeiro bispo estava realizada e sua memória permaneceria indelével no coração e na memória do povo de Leopoldina.
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(Publicada no jornal LEOPOLDINENSE)
Dom Delfim esteve à frente da diocese de Leopoldina de 1943 a 1960, ano em que nos deixou para passar à condução da diocese de São João del-Rei.
Foi um religioso de múltiplas virtudes e grande carisma, aguda visão humanista, incansável no atendimento ao extenso território do bispado leopoldinense, abrangendo 57 paróquias em 33 municípios, a saber: Leopoldina, Além Paraíba, Argirita, Astolfo Dutra, Barão de Monte Alto, Cataguases, Dona Eusébia, Estrela Dalva, Eugenópolis, Guarani, Guidoval, Guiricema, Itamarati de Minas, Laranjal, Miradouro, Miraí, Muriaé, Palma, Patrocínio do Muriaé, Pirapetinga, Piraúba, Rodeiro, Rosário da Limeira, Santana de Cataguases, Santo Antônio do Aventureiro, São Geraldo, São Sebastião da Vargem Alegre, Tocantins, Ubá, Vieiras, Visconde do Rio Branco e Volta Grande.
Para os católicos, os bispos sucessores dos apóstolos, recebem com a ordenação episcopal a missão de santificar, ensinar e governar, a eles confiada no âmbito de uma circunscrição definida, que tanto pode ser uma diocese, uma arquidiocese ou uma prelazia.
O episcopado é o último e supremo grau do sacramento da ordem. Aos bispos compete ministrar o sacramento da ordem de modo exclusivo e também, na Igreja Latina, o sacramento da crisma. Ordenar presbíteros e diáconos, bem como conferir ministérios são funções exclusivas do bispo.
Segundo o Código de Direito Canônico, "os Bispos que, por divina instituição sucedem os Apóstolos, são constituídos, pelo Espírito que lhes foi conferido, pastores na Igreja, a fim de serem, também eles, mestres da doutrina, sacerdotes do culto sagrado e ministros do governo." (Cân. 375 §1)
Ao garoto que fui, na década de 50, Dom Delfim parecia ser um sacerdote de hábitos reclusos. Não saia muito do Paço Episcopal. Praticamente, só era visto nas cerimônias religiosas.
O Colégio Leopoldinense, onde estudei de 1950 a 1957, pertenceu à Diocese de Leopoldina na maior parte desses anos e tinha o nosso estimado Monsenhor Guilherme de Oliveira como diretor. O Bispo, Dom Delfim, entretanto, que eu saiba, não visitava o educandário. Pelo menos jamais o vi por lá nos sete anos de meu curso secundário.
Uma única vez na vida posso dizer que vi Dom Delfim bem de perto. Foi pelos meus 9 anos quando recebi dele o sacramento da crisma, na Catedral.
Lembro-me das duas alas de meninos e meninas ao longo do corredor central da igreja, com seus padrinhos e madrinhas, e o senhor Bispo progredindo vagarosamente pelo meio, assinalando uma cruzinha de óleo na testa de cada criança. O choro da meninada ecoava na abóbada altíssima. Eu, já grandinho e protegido por minha madrinha, Maria Oliveira do Vale, sentia-me seguro, não chorava.
A doutrina católica ensina que através da crisma recebemos os dons do Espírito Santo: sabedoria, entendimento, conselho, fortaleza, piedade, ciência e temor de Deus. Dons que, em abundância maior ou menor, nos aproximam da vocação humana da santidade.
É certo que nem sempre logramos vivenciá-los convenientemente no mundo diversionista e capcioso em que vivemos. De minha parte, se não cultivei em plenitude tão altas virtudes, não terá sido por insuficiência das mãos sagradas que me ungiram naquele dia.
Sobre a humildade e os hábitos despojados de Dom Delfim, tenho o testemunho presente de meu colega de Curso Colegial Clássico e, depois, de advocacia no Rio de Janeiro, Enock Fonseca (filho do professor de contabilidade, Tenente Enock).
Enockinho, como sempre o chamamos, foi seminarista em Leopoldina e conta que Dom Delfim usava roupas simples, algumas bem velhas e acabadas. Presenciou, certa vez, no Palácio Episcopal, o Bispo absorto em seus pensamentos, ou talvez em orações, aparando distraidamente algumas linhas soltas, desfiadas, do punho de sua batina.
O Prof. Oíliam José, à página 44 do livro “Lições e Recordações”, Ed. do Autor, 2002, Belo Horizonte, MG, tece importantíssimas considerações sobre os “heróicos esforços” do bispo Dom Delfim Ribeiro Guedes, junto aos governadores de Minas, Juscelino Kubitscheck e Clóvis Salgado, e junto a deputados estaduais, para obter a estadualização do Colégio Leopoldinense e, com isto, garantir ensino ginasial a toda juventude de Leopoldina.
Não foram poucos os obstáculos a superar – diz o Prof. Oíliam – para que as autoridades aprovassem a compra do Colégio. A maior delas teria sido a falta de recursos financeiros por parte do erário estadual.
Sem embargo, a assunção do Colégio Leopoldinense, pelo Estado, se deu aos 14.02.1955, vindo a escritura de Compra e Venda do educandário a ser firmada em 7.12.1955.
Transferido ao Estado, o Colégio passou a denominar-se Colégio Professor Botelho Reis, depois Colégio Estadual Professor Botelho Reis, com a Lei 1.388, de 23.12.1955, assinada pelo filho de Leopoldina, então Governador do Estado, o médico Clóvis Salgado da Gama. Este, na qualidade de Vice-Governador, assumira a chefia do Executivo Mineiro em 1955, ocasião em que Juscelino Kubitschek precisou desincompatibilizar-se para viabilizar sua candidatura à Presidência da República.
Temos, portanto, que foi graças à visão sociológica e humana de homens como Dom Delfim, Mons. Guilherme e Clóvis Salgado – mas, notadamente Dom Delfim - que um colégio que antes, por ser particular, só tinha condição de oferecer instrução a alunos cujos pais detivessem recursos, a partir da estadualização passou a receber toda a juventude leopoldinense, independente da condição econômica.
Em crônica mais ou menos recente, publicada no jornal LEOPOLDINENSE, dissemos que, nós, ex-alunos da fase anterior à estadualização do Colégio, fomos testemunhas dessa nefasta realidade social. Não havia em Leopoldina, como certamente ocorria em outras cidades de igual porte no país, educação secundária para a juventude pobre. Ficava ela restrita à instrução primária.
Até os derradeiros anos da década de 1950 os colégios secundários da nossa região resultavam ser “colégios para ricos”, como tal entendido “aqueles que podiam pagar” os altos custos de uma instituição de âmbito regional, com instalações de ponta e professorado de alto nível. Se isto, por um lado, valorizava e projetava Leopoldina como um dos berços da cultura no Estado, por outro resultava na franca negação do direito de instrução secundária a filhos de famílias pobres.
Tal realidade só vem exaltar, da perspectiva histórica que o tempo hoje nos faculta, a grandeza humana do nosso primeiro Bispo, Dom Delfim Ribeiro Guedes. Vemos com absoluta clareza que ele soube discernir muito acima dos interesses estritamente materiais ao decidir que só o Estado de Minas haveria de fazer aquilo que a pequena Diocese de Leopoldina não tinha condição econômica de cumprir: patrocinar o ensino secundário para toda a nossa juventude.
Decidiu passar à propriedade do Estado o enorme patrimônio imobiliário do Bispado – com seu intangível histórico de valor incalculável, como um dos mais conceituados estabelecimentos de educação do país – por valor bem abaixo do comercial, exatamente por priorizar as necessidades de nossa juventude pobre, sem opção de estudo.
O preço que a Diocese recebeu pela venda do Colégio – afirma o Prof. Oíliam José, no livro acima citado - foi quase que totalmente consumido nas indenizações trabalhistas ao professorado e ao pessoal administrativo.
A grande obra do nosso primeiro bispo estava realizada e sua memória permaneceria indelével no coração e na memória do povo de Leopoldina.
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(Publicada no jornal LEOPOLDINENSE)
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