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Anteontem foi dia da Padroeira e, à noite, me deu vontade de ir à missa na Capelinha de Nossa Senhora Aparecida, aqui do bairro. Festa bonita, de muita gente. A celebração teve que ser “campal”, feita na pracinha em frente à igreja. Mas o que me surpreendeu de forma muito particular foi a homilia, ou seja, as palavras do celebrante.
Quando o sacerdote que preside a missa é um pregador lúcido, a gente tem uma graça adicional à presença de Deus no altar. Quero dividir com vocês o apelo que ouvi, de solidariedade entre seres humanos.
Abordou nosso Padre Jorge as circunstâncias fáticas do aparecimento da imagem “Aparecida” no leito do Rio Paraíba do Sul. Lembrou a singela apresentação material da peça - obra simples de um rude artesão - escurecida pela oxidação no longo tempo em que esteve imersa, como que depositasse Deus na singela efígie um resumo antropológico da própria gente brasileira. Qual alegoria da Mãe que vem juntar-se aos filhos, já com eles identificada na própria cor, no despojamento e no abandono de um dia qualquer de três humildes pescadores.
Por que haveremos de desprezar - aduzia o sacerdote - este sinal do alto à igualdade, à inclusão social, à condenação de toda sorte de discriminação racial ao índio, ao negro, ao mestiço, ao sertanejo do norte, ao gaúcho do sul, ao caboclo do centro? Nossa Senhora Aparecida, moreninha, é inspiração divina ao amor aos nossos semelhantes, à fraternidade, à solidariedade entre irmãos, neste país maravilhoso e trigueiro que é o Brasil.
Ombreado ali com a gente simples da minha terra, eu me detinha em cada semblante, revolvendo na memória como em replay, a etnologia referida em Gilberto Freyre, Caio Prado e Buarque de Holanda, para certificar-me, ainda uma vez, o quão inapropriado é distinguir pelo critério da raça ou da cor, num país tão definidamente mestiço como o nosso.
O Brasil moreno de Nossa Senhora Aparecida! Aqui o afro-europeu veio tingir-se no útero da mãe tupi e da mãe preta, matrizes genéticas da nação que surgia para vir dar em nós, às vezes distintos por regiões, mas iguais e fraternos na alma e nos ricos matizes da brasilidade.
Fernando Sabino, em Gente, (1975), comentou que “o que mais intriga a maioria dos sociólogos que se dão ao trabalho de estudar essa charada que é o Brasil é que, por mais que cariocas, paulistas, mineiros, gaúchos, baianos ou nordestinos sejam diferentes uns dos outros, há qualquer coisa que os identifica em qualquer lugar do mundo como brasileiros: o seu espírito de independência e seu apego à liberdade, que um dia acabarão fazendo do Brasil um grande país”.
Por essas e por outras é que para ser racista neste país, e aceitar a desigualdade, não basta possuir um caráter defeituoso. Há que adicionar uma boa dose de estupidez à receita. Somos o que, gloriosamente, somos. Irmãos e patriotas, orgulhosos da nossa raça brasileira, sob color da Padroeira deste pedaço abençoado da América, onde vive o povo mais bonito e as melhores pessoas do planeta.
Vamos em paz, e o Senhor nos acompanhe.
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Publicada aos 15.10.2009 em http://oglobo.globo.com/pais/noblat/mariahelena/
quinta-feira, 15 de outubro de 2009
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