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quinta-feira, 21 de abril de 2011

Passas ao Rum

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Abril, 2011


Quando o calor do Rio de Janeiro se fizer insuportável, peçam sorvete de “Passas ao Rum” em minha homenagem. Estou, sim, parodiando súplica de um famoso maestro quando pediu, para suas exéquias, tocassem Mozart em sua homenagem. A combinação não é má. Mozart e “Passas ao Rum” sempre me caíram bem, em conjunto ou separadamente.

Só não dava para imaginar que o delicioso sorvete, tão caro ao meu paladar, pudesse um dia enredar alguém com agentes da “Lei Seca”, no Rio de Janeiro. É o que acredito tenha acontecido com meu querido ex-governador e senador, Aécio Neves. Foi o que, no último fim de semana – deu nos jornais.

Fazia madrugada alta no Leblon − horário em que por aquelas risonhas paragens só os muito virtuosos soem exalar hálitos edificantes − quando os agentes da lei, postados na Av. Bartolomeu Mitre, entenderam de solicitar ao senador Aécio uma assopradinha no, lá deles, “bafômetro”. (Quem terá cometido o despropósito inaugural, meu Deus, de escrever este palavrão sem aspas!)

Ora, o bom mineiro, encantoado, garrou a maginá com seus botões:
– Essa geringonça não mede bafo coisa nenhuma; mede é “o que vai” no bafo, e eu acabei de tomar um sorvete de “Passas ao Rum” com minha gata; se assopro esse treco pode acusar apenas o rum, omitindo as passas. Comprometo não apenas minha imagem de político, mas minha imagem de político jovem. Vão espalhar que fui pego sob efeito daquele coquetel antiquíssimo chamado Cuba Libre... Perderei votos jovens, por careta, e votos circunspetos, por irresponsável. Tudo por obra de uma casquinha de sorvete! É injusto.

Foi quando o sóbrio herdeiro de Tancredo optou por não soprar naquele trem, saindo com a desculpa que primeiro lhe acorreu, “da justa recusa uma vez constatado o vencimento do documento de habilitação e providenciado outro motorista para condução do veículo"...

Infelizmente é assim: no afogadilho da abordagem súbita, a pessoa mal percebe que a verdade-verdadeira seria a melhor escolha.

– Sr. Guarda, a vida, ultimamente, tem me levado a servir-me de motoristas contratados, pelo que a pouca serventia de minha habilitação levou-me ao descuido com seu vencimento. Quanto à prova que o senhor me pede, desejo prevalecer-me do direito de não fazê-la, pois acabo de tomar – com minha namorada, aqui presente − um sorvete de “Passas ao Rum”, o que, inofensivamente, nos deixa com  hálitos suspeitosos.

Ou ainda:

– Sr. Guarda, há três minutos atrás, tomamos um drinkezinho ali no Bracarense, aqui mesmo no bairro, e, inteiramente seguro dos meus sentidos, tomei a direção do carro. Sei que é ilegal, mas meu prédio fica tão próximo que resolvi assumir a responsabilidade. O senhor pode cumprir o seu dever.

Em suma, o senador procurou afeiçoar a verdade à circunstância imprevista, mas não é o caso de crucificá-lo por isto. Os próprios policiais foram claros ao dizer que o “condutor da viatura” não apresentava sintomas de embriaguez. Ora, sempre foi a suspeita de embriaguez que autorizou o teste de alcoolemia, segundo o Código Nacional de Trânsito. Se não havia tal suspeita, o teste nem teria o que os advogados chamam de “conforto legal”. 

O fato é que o senador se submeteu à abordagem como qualquer cidadão humilde, em momento algum procurando valer-se de sua condição para subornar ou intimidar os agentes do trânsito. Pagará a multa devida e pagará, certamente, dividendos à maledicência.

Acontece às melhores pessoas.


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(Publicada em 21.04.2011 no Globo Online, Blog do Noblat/Maria Helena/)

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