Abril, 2011
O noticiário desses dias registrou um caso incomum. Lauro Borges, cidadão de Botucatu, SP, ligou para o serviço de emergência da Polícia Militar de sua cidade pedindo para ser preso. A polícia, que não existe para efetuar prisões a pedido, informou que Lauro Borges carrega antecedentes criminais, mas “queria ir para a cadeia para ficar com seu filho, detido na semana anterior por extorsão e roubo de celular”. Ou seja, conhecedor das indignidades carcerárias o pai desejava ir para lá proteger o filho.
Tanto assim que, diante da recusa
da polícia a prendê-lo sem motivo legal, tratou logo de fornecer um. Pegou o
automóvel, saiu para rua, e o arremessou contra a primeira viatura policial que
viu estacionada. Levado à delegacia, procurou garantir ainda mais sua prisão
dirigindo palavrões aos policiais. Conseguiu o que queria: foi preso em
flagrante delito por embriaguez ao volante, dano ao patrimônio público e desacato.
Se a polícia não fizer o favor de
levá-lo para casa de detenção diversa daquela em que está seu filho, o moço
estará a salvo de estupro e outras violências.
Este drama real me chamou a
atenção porque a vida já me oferecera uma edição inversa da mesma situação. Ou
seja, um filho extremoso engendrando fórmula – no caso, lícita – de estar no
presídio na companhia do pai, condenado. Vejam só.
Na localidade mineira de Cruz da
Ponte – lá se vão uns quarenta anos – certo chefe de família, trabalhador e
honrado, teve a infelicidade de ver-se responsabilizado pela morte de outro ser
humano que o destino, aleatoriamente, lhe colocou no caminho. Trocando em
miúdos, um homem bom teve a desventura de tornar-se assassino de um homem mau.
As circunstâncias que levaram o homicida ao homicídio não vêm ao caso.
Sentado ao lado da mãe no
Tribunal do Júri, o filho do réu, rapazinho de 16 anos, ouviu os duros – embora
justos – termos da sentença que privaria seu pai da liberdade por longo tempo.
Terminado o julgamento, ainda com a mãe, seguiu a escolta do preso pelas ruas
do pequeno lugarejo até o presídio onde o carcereiro trancafiou seu pai numa
cela.
Observou o rapaz que naquele
momento os detentos almoçavam e outro jovem, que prontamente reconheceu,
aguardava num banco do corredor a devolução das marmitas vazias. Concluiu, num
átimo, que a pensão de Da. Júlia, mãe do garoto, fornecia as refeições dos
presos.
No dia seguinte, bem cedo, o
filho do condenado da véspera, dirigia-se à pensão de Da. Júlia para oferecer-se,
gratuitamente, a levar as marmitas dos presos. Nada escondeu da boa senhora:
seria aquela uma maneira de estar com seu pai todos os dias... Ela nada
precisaria pagar.
– E suas aulas, meu filho, como
ficam?
– Hora do almoço, Da. Júlia,
haverá tempo de sobra e eu tenho uma bicicleta.
Assim aconteceu. Durante todo
tempo de custódia do pai, raro foi o dia em que o filho com ele não estivesse,
levando-lhe as refeições.
Deu-se, ao mesmo tempo, que muito
simpático e prestativo o “menino das marmitas” acabou por fazer amizade com os
funcionários da detenção, os quais passaram a solicitar-lhe pequenos serviços
burocráticos nas horas vagas. Aprendeu a lidar com processos, datilografar, ir
a Cartórios, frequentar o Foro etc. Tomou gosto por tudo aquilo e, na vez de
optar por um curso superior, não teve dúvida: seria advogado.
É como a história termina.
Graduado em direito, a inteligência e o estudo fizeram dele um grande jurista, um
autor respeitável. Não o vejo há anos, senão pelos livros que publica. Tenho
dúvida se o pai ainda vive, mas certamente terá cumprido uma pena bem menos sofrida
que a prevista na sentença.
(Publicada em 31.03.2011 no Globo Online, Blog do Noblat/Maria Helena/)
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