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1962
A história é de um menino de doze anos que, criado na roça, desconhecendo a maior parte dos hábitos e coisas da cidade, vai vencendo a duras penas as dificuldades de seu novo habitat, quando atirado à vida urbana. No caso, uma justificativa esfarrapada para uma pequena gafe.
Aconteceu na primeira vez que procurei um barbeiro na cidade. Não sei da boca de quem teria eu ouvido a palavra “desbastar”, significando o rebaixamento do cabelo sobre a cabeça. O certo é que não a ouvi direito.
Deu-se assim que, estando a passar férias na casa de minha tia na cidade de Muriaé, recebi ordem de cortar o cabelo. Até então, só o fizera na barbearia do Bonin, na Boa Sorte, da forma mais simples imaginável, tendo muitas vezes gritado de dor em minha cadeira, em momentos em que o corte parecia assumir a forma de tortura por parte do barbeiro. A máquina velha – do bondoso Antonio Bonin - embolava o cabelo, arrancando-o impiedosamente e sua velha navalha de “fazer o pé” do cabelo, bastante cega, abria atrás de minhas orelhas doloridas incisões a frio...
Agora estava em Muriaé. A barbearia ficava no Largo da Barra, a pouca distância da casa de minha tia, de sorte que o barbeiro era conhecido do meu tio, sabia que eu era da cidade vizinha, de Leopoldina, e decidiu puxar assunto.
- “Como é? Aquele timezinho ruim lá da tua cidade, que vergonha, hem! Veio aqui e levou de quatro a zero do Paulistano.
Não sabia não senhor...
- Como não sabia? Querendo negar a raça?
Não senhor. Eu não sabia mesmo. Aliás, nem conheço o time que aqui esteve. Nunca vi o RJ, de Leopoldina, jogar. Moro na roça...
-Hã, muito bem...e o cabelo, como vai querer?
“Príncipe Danilo”, mas o senhor pode “abastecer” bem aqui em cima.
-Abastecer?
Isso mesmo. Eu gosto do cabelo bem “abastecido” em cima.
-Meu filho, penso que você está querendo dizer “desbastar”. O que abastece é automóvel. Chega na bomba de gasolina e diz: “Abastece aí!” É quando abastecem, colocam gasolina no tanque... Cabelo não abastece. Cabelo se desbasta, rebaixa, entende?
Bom, talvez o senhor tenha razão, aqui em Muriaé; porque em Leopoldina todo mundo pede para abastecer o cabelo.
Pode acreditar. Lá nós falamos ABASTECER.
Era natural que, àquela altura, os dois fregueses à espera estivessem segurando o riso para não encabular o garoto. Ele já estava encabulado. Ao final do corte dispensei a escova derradeira dizendo que pronto tomaria um banho e, sem olhar para trás, procurei ganhar distância do local.
Sem dúvida que meu “fora” provocaria risos às minhas costas e eu estava longe de desejar ouvi-los. Nas muitas férias seguintes, sempre passadas na casa de minha tia, em Muriaé, não me lembro de ter voltado àquela barbearia da Barra.
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segunda-feira, 25 de abril de 2011
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