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Julho, 1981
Lá se foram 20 anos, meu velho Colégio Leopoldinense, a garotada crescida com sestro de gente grande, e a comemoração dos teus 75 anos, oferecendo-nos, por empréstimo, dois dias de adolescência. Muito ligados na tua, a turma de meu tempo com a turma de outros tempos, recentes e remotos, andou pela cidade sorrindo, cantando, chorando, brincando de antigamente.
Espiar tudo aquilo, meu “Gymnasio” dos mais velhos, valeu o desarquivamento delicioso de incontáveis reminiscências. Algo tão aliciante e terno que o dever de casa, como sempre teve que ficar pra depois: só abracei (fisicamente) a cada um de minha turma no baile do Clube Moinho.
Primeiro, pelo ângulo do expectador apaixonado, experimentei minha saudade depurada dos tempos reais. Como o poeta Han Fook do conto de Hesse, permiti que um sonho providencial me passasse à outra margem onde, partícipe solitário, não me somasse na grande festa das lâmpadas, para contemplá-la, incrivelmente mais bela, refletida no espelho do rio.
Maravilha, meu Colégio. A um só tempo tudo ver e com todos estar, eu, no alto da Catedral ou no Morro dos Pirineus, eles todos lá em baixo... Aqueles marotos, agora marmanjos. Ontem mesmo “queimando as pestanas” no Estudo-1, a maleta de livros afivelada ao pé da carteira, o pavor de uma prova oral atazanando o espírito.
Vez por outra podiam espalhar gás sulfídrico no Gabinete (puleiro) de Química, mas sempre compenetrados na sala-5 (o Machado era “fogo”). Estudiosos quando necessário, irreverentes – quase sempre.
- Sacripantas! (No limite da paciência, o adjetivo novo do mestre Leitão)
Ei-los, fedelhos, espalhados pela pracinha, um “cano” inocente nas cocadas do Botelho (bom coração que esquecia e se fingia não ver), nas tangerinas e bananas do boteco do Nestor (nosso bondoso Nestor), nas filas do Cine Alencar, ávidos de pastelões e das pernas da Brigitte Bardot.
Com indizível felicidade, meu hoje “Botelho Reis”, só às vezes surpreendida por uma fisionomia sensivelmente mais mudada, eu devolvia a cada um seu pedacinho de “bons tempos” guardado no meu bolso. Meus velhos brinquedos de sonho, como na Ode de pessoa, caíam por dentro de mim, em monte, qual conteúdo de gaveta despejada no chão. Queria apertá-los ao peito, senti-los bem e repartir como bolo: aula das seis e cinqüenta, campo do arranca-toco, meninas de azul e branco. O verbo nas “cinco” formas, o teorema na lousa, os bebedores de esguicho, aqueles vasos de “agacho”, um cheiro de carne assada das bandas do refeitório.
A serenata “pra ela”, o pomar do Dom Delfim, o violão milagroso do “incrível” Bianor. A gente ficando “um espicho”, a calça “pegando frango”, um sonho: jogar na liga, mais um “zerrô” em francês, que “mens” agitada e mole!
O quebra-queixo de côco, a Coquita geladinha, o picolé do Leopoldo. Aquela foto do Jarbas, o “footing” depois das oito, a chama braba dos moços pras bandas do Cemitério.
Passavam meus camaradas de coloridas memórias e fluía lento o transe quando um zunido de vento brincalhão cantou-me dos longes a ladainha daqueles apelidos inesquecíveis, curiosos, acachapantes: eh-eh-eh...Piacatuuubaaa; eh-eh-eh...Burneeetiii; eh-eh-eh...Jumeeentooo; eh-eh-eh...zabulããooo...eh-eh-eh...
Colégio Leopoldinense de todos nós. O coração meio querendo esboroar-se, abracei com saudade doída a meninada alegre, estudiosa e sonhadora que cruzou teu pórtico na década cinqüenta. Uma turma que se fez rara – companheiros de uma juventude aos pouquinhos ficada pra longe, no tempo e na lembrança, unida sob tua égide, meninada sentimental que te ama e não te perde de vista.
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(Publicada no jornal REENCONTRO de julho de 1981)
quinta-feira, 28 de abril de 2011
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