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Abril, 2011
O fantasma da ópera brasileira é a inflação. Quando o presidente do Banco Central confessa que este é o assunto recorrente nos encontros de banqueiros e centrais, o sinal é de que a coisa realmente anda assustando. O ministro Guido Mantega não nega o perigo, entendendo que “devemos usar todas as armas possíveis contra a inflação, sejam monetárias ou fiscais", mas vê no fenômeno do aumento dos preços uma tendência internacional, perfeitamente identificável em países importantes como, Reino Unido, Índia e China.
Ou seja, em outras importantes “Operas House” há também espectros nos bastidores. Pessoas entendidas acham que nosso medo não deve ser menor por isto. Elas podem estar certas. Reincidência inflacionária no Brasil apavora tanto como reincidência na dengue; periga vir agravada na forma hemorrágica. Principalmente porque nossa cultura de pouca fé na moeda ainda é muito presente. Exemplo diuturno dessa desconfiança está em que, passados dezessete anos de saúde monetária com o Plano Real, ainda não se escreve neste país um único contrato de locação de imóvel, residencial ou comercial, onde não apareça o valor do aluguel vinculado a índices oficiais.
A coisa é feia. Nem psicanalista dá jeito no pavor que brasileiro tem de ver o dinheiro virar pó em seu bolso. Foram longos anos de condicionamento inflacionário: inflação de custos, de demanda, inflação inercial. Tudo junto! Difícil esquecer, por exemplo, que entre fevereiro de 1989 e março de 1990 a desvalorização do dinheiro alcançou a estratosfera de 86% ao mês, equivalentes a 2.751% ao ano. Dá pra imaginar o trabalhador chegando ao fim do mês com o poder de compra de seu salário reduzido a 14% do que representava trinta dias antes?
Antes de esvair-se no bolso das pessoas, a moeda vira batata quente. Começa a ser trocada por tudo que aparece pela frente: moeda estrangeira, boi, lote, casa, apartamento, sítio, automóvel, títulos públicos indexados, certificados de depósitos indexados, ações da “Merposa”... Sem falar, mas já falando, das letras de câmbio, nas financeiras dos pilantras chegados a fugir com a mala.
Na realidade, as condições de hoje não são aquelas. Demanda inflada em bens e serviços não será algo assim tão maligno, e nós precisamos acreditar na vigilância do governo. Não dá para pensar naquela coisa horrorosa de comprar dólar no câmbio negro para guardar em casa e em toda aquela loucura. Menos ainda quando se sabe que a turbulência é mundial. O planeta se acomoda às adaptações e retoques que a presença incisiva da China impõe à ordem econômica. Exorcizemos o pessimismo.
Mas, pelo amor de Deus, presidenta Dilma! Ministro Guido Mantega! Presidente do BACEN, Alexandre Tombini! O Brasil seria um paciente grave na doença inflacionária – claro que vocês sabem. Já sofreu desse distúrbio, ficou péssimo, submeteu-se a transplantes de papel, colocou ponte de URV. É cachorro “ofendido” de cobra. Escondam as linguiças para não tresloucar o Fila inconfiável.
Podendo, arranquem do economês um bom sinônimo para “inflação”. Ninguém, neste país, tem condição psicológica de, sequer, ouvir tal palavra. O fantasma inercial oprime nossas mentes.
Se existem países importantes que suportam, de forma tranquila, alguma desvalorização em suas moedas, não nos servem de exemplo. Nosso caso é de grave predisposição psicológica ao pânico. Temos que defender, se preciso na porrada, as metas inflacionárias. Nem que seja preciso escalar zagueiros e goleiros para todas as diretorias do Banco Central.
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(Publicada em 28.04.2011 em http://oglobo.globo.com/pais/noblat/mariahelena/)
quinta-feira, 28 de abril de 2011
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