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sexta-feira, 4 de novembro de 2011

Os Direitos da Galinha Mãe #

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Novembro, 2011

Foi o vaqueiro Neneco Passarim que me trouxe ciência do sucedido. Tá lá – ele disse – pra quem quiser ver; o seguinte se deu na Fazenda Filadélfia, confinante com o povoadinho nanico que eles falam Estiva, aqui mesmo em Minas, na estrada que vai dar no comércio de Piacatuba, Vila Nossa Senhora da Piedade − no dizer dos mais antigos.

-Ver pra acreditar! Uma galinha, na propriedade do cumpade Zezim, vinha tranquilamente chocando seus ovos quando uma cadela deu de parir cinco cachorrinhos bem à roda do ninho dela. Ah, pra quê! A galinha virou mãe de cachorro.

Neneco Passarim não mente. De fato, Madame Barrada – que esta era a raça da tal galinha − tornou-se mãe adotiva de cinco filhotes de cachorro. Foi numa das andanças costumeiras de mamãe canina que dona galinha admitiu, sob seu corpo, os filhotes da vizinha e cuidou de proteger maternalmente os bichinhos, passando a reagir com bicadas às intromissões farejadoras de Mlle. Au-au.



Compenetrada, quando algum dos recém-natos ensaiava deixar o aconchego plumoso para mamar, ela esticava o pescoço em gancho e o trazia de volta para debaixo das asas.

Submeti a inusitada questão ao advogado dativo, Dr. Modus Vivendi. Diz ele que, “in casu, não se configura a conduta típica de sequestro de menores” já que, a “inexistência de linha demarcatória inequívoca entre os dois domicílios, não autoriza falar em remoção de incapazes para logradouro diverso daquele em que a parturiente biológica os trouxe à luz”.

Terá havido, no máximo, “lesão despicienda ao exercício do direito ao pátrio poder, por obra da mãe bípede, em desfavor da mãe quadrúpede” − pátrio poder esse, aliás, hoje substituído na terminologia jurídica pelo politicamente correto poder familiar, eis que a primeira fórmula aparentava negar “ao ente feminino sua prerrogativa incontrastável de guarda compartilhada das respectivas crias”.

Entende, porém, o renomado jurisconsulto que “a parte teria dificuldade em acostar a eventual processo judicial, tendente a dirimir dúvidas, conteúdo probatório convincente de qualquer intromissão da parte ovípara no espaço maternal canídeo, exato por ter pertencido a ela, geratriz dos quíntuplos, a escolha do local onde parir sua ninhada”.

Fê-lo – assevera o lúcido causídico – praticamente no âmbito domiciliar da coricocó, e sem o desvelo de preparar, para os nascituros, um berço acolchoado e aquecido por peninhas fofas, delicadas, “como aquele disponibilizado aos recém-natos pela indigitada mãe postiça – a qual restará, via de consequência, imune a reprobatórias inquinações”.

Tais circunstâncias, a todo passo, não teriam o condão – adverte ainda o Dr. Vivendi − de desobrigar Mamãe Cadela do imperativo legal de prestar alimentos à sua prole, ex vi legis (pela força da lei), sob pena das cogentes sanções legais aplicáveis à espécie em comento.

O juridiquês tem a transparência de uma clara de ovo, não acham?

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(Publ. a 03.11.2011,em http://oglobo.globo.com/pais/noblat/mariahelena)

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