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domingo, 21 de novembro de 2010

Política e Oração #

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Novembro, 2002



Embora nosso editor do LEOPOLDINENSE, Luiz Otávio Meneghite, apreciasse neste número alguma abordagem do resultado das últimas eleições, decidi minimizar o assunto. É que o pleito federal, certamente mais instigante com honras fúnebres a lideranças popularescas em Minas, São Paulo e Rio de Janeiro (Newton, Maluf e Brisola), não me parece assunto para jornal do interior.

No plano estadual, a imprensa de Minas terá esgotado reflexões sobre a avassaladora vitória do bom Aécio Neves, jovem homem público certamente fadado a restabelecer as melhores tradições da política mineira nos destinos do país. No plano municipal onde, infelizmente, Leopoldina logrou SAIR das urnas bem pior do que ENTROU, quaisquer comentários, por inócuos a esta altura, sucumbiriam aos fins que os justificassem. Em outras palavras: não teriam quê nem pra quê.

Sem embargo, a realidade dos três planos é que as campanhas estão cada vez mais caras e que pequenos erros em política têm o efeito cumulativo do sol na pele. Com o tempo abre lesão maligna. O remédio pode ser o filtro de um colóquio competente através dos meios de comunicação, com ênfase reparadora nas obscuridades e nos boatos. Porque boatos repetidos viram verdade, vindo daí lição de antiga raposa felpuda, que pontificava: “Mais importante que o fato, é a versão”. (Nota: Alusão à derrota previsível de um deputado estadual)

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Sem falar de política, falemos de religião e de gente.
Amigos, no dia 12 de outubro, dia de Nossa Senhora Aparecida, assistimos ali nos Pirineus a uma belíssima missa celebrada pelo Padre Jorge, o estimado pároco do Rosário. Foi na pracinha em frente à capela da Padroeira do Brasil, no velho Morro da Forca.

A noite de forte calor nem colaborava com a festa, mas quando se tem um sacerdote inteligente e culto, como o Padre Jorge, os fiéis acabam alcançando uma graça adicional à presença do Senhor no altar.

Em oportuníssima homilia de apelo à solidariedade entre as pessoas, abordou o celebrante as circunstâncias fáticas do aparecimento da imagem da virgem no leito do Rio Paraíba. Descreveu ele desde a singela apresentação material da peça - obra de humílimo artesão - ao oxidado da longa imersão, como que depositasse Deus na singela efígie um resumo antropológico da própria brasilidade.

Síntese de um povo na alegoria da Mãe que se vem juntar aos filhos, já com eles identificada na cor, no despojamento e no abandono, num dia qualquer de três sofridos pescadores.

Um sinal do alto à igualdade, à inclusão social, à condenação a toda sorte de discriminação racial ao índio, ao negro, ao mestiço, ao sertanejo do norte, ao gaúcho do sul, ao caboclo do centro - um chamamento à solidariedade neste país absolutamente moreno que é o Brasil.

Tocado pelas invocações inspiradas do Pe. Jorge, ali na praça, ombreado com a gente simples e boa do meu bairro, eu me fixava em cada face irmã retornando na memória, como num filme, a etnologia implícita em Gilberto Freyre, Caio Prado Jr. e Sérgio B. de Holanda, para me perguntar:
- Meu Deus, como pode ainda haver preconceito e exclusão racial num país onde está tão cabalmente descrito que somos uma raça única: A raça morena do Brasil?

Se até o elemento português, afluente “branco” de nossa etnia, jamais foi realmente branco. Eram mestiços, os lusos! Em Rassekunde Europas, Hans Günther - citado por GF - assinala que nos tempos coloniais os indígenas da África Oriental consideravam os portugueses como “seus iguais”, fazendo clara distinção entre: europeus e portugueses.

A essa realidade mestiça dos lusos se deve até, com absoluta segurança, sua notável capacidade de adaptação aos trópicos, sua cômoda integração com os nativos e, como conseqüência, a formidável proeza da conquista e domínio do vasto território brasileiro. Nenhum outro povo europeu pôde repetir nos trópicos essa façanha dos portugueses.

Sabe-se que o caldeamento racial em Portugal veio de época anterior ao descobrimento, não apenas por força da ocupação moura da Península Ibérica por quase mil anos, mas ainda pela presença em Portugal, antes de 1500, de numeroso contingente africano oriundo das possessões ultramarinas. Representavam os negros um quinto da população lisboeta quando a colônia brasileira apenas se iniciava, por volta de 1530...

Terminada a missa, desci vagarosamente a ladeira com o tema ebulindo na cachola. País maravilhoso - pensava eu - esse Brasil moreno da N. Sª. Aparecida. Aqui o afro/europeu veio tingir-se no útero da mãe tupi, matriz genética dos primeiro habitantes da terra, para dar em nós, às vezes tão particularmente distintos, mas tão iguais na alma e nos matizes variegados da raça única!

Como lembra Fernando Sabino (Gente, 1923), “o que mais intriga a maioria dos sociólogos que se dão ao trabalho de estudar essa charada que é o Brasil é que, por mais que cariocas, paulistas, mineiros, gaúchos, baianos ou nordestinos sejam diferentes uns dos outros, há qualquer coisa que os identifica em qualquer lugar do mundo como brasileiros: o seu espírito de independência e seu apego à liberdade, que um dia acabarão fazendo do Brasil um grande país”. O país que mostra ao mundo o “homem cordial”, na expressão de Ribeiro Couto.

- Mas por quanto tempo prevalecerá entre nós o equívoco senhorial da Casa Grande, fazendo Coronéis e Sinhás (de ontem e de hoje) acreditarem-se fidalgos? Se, para ser racista neste país e praticar exclusão social, não basta o aleijão de um caráter defeituoso? Há que somá-lo a uma boa dose de desinformação.
Sejamos, pois, solidários com nossos irmãos - como pede o Pe. Jorge – e, sob color da Padroeira do Brasil, N. Sª. da Conceição Aparecida, tenhamos patriótico orgulho da raça brasileira, porque neste pedaço enorme da América – a inspiração é de Gabriel Garcia Márquez - vive o povo mais bonito e as melhores pessoas do planeta.
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(Nota publicada na Gazeta de Leopoldina de 30.10.2002)

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