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-Felizmente não é tumor, não, Da. Mariquita. A senhora está é grávida de três meses.
-Grávida, doutor! Que absurdo! Sou viúva há cinco anos, nunca arredo pé de minha fazenda, não tenho amante, não tenho namorado, vivo sozinha e Deus, cuidando dos meus bois, dos meus roçados... Como posso estar grávida?
-Isto eu não sei, Da. Mariquita. Sei é que seu exame deu positivo. Diga-me uma coisa, trabalham muitos homens em sua propriedade?
-Trabalham, claro, mas são operários rurícolas, pessoas muito simples, com as quais não me relaciono pessoalmente. Por favor, doutor, não será por aí.
-Perdão, Da. Mariquita, não quis ser inconveniente. Estamos diante de uma ocorrência que a senhora não entende e eu tento ajudá-la. Diz a senhora, então, que em sua casa não entram homens, certo?
-Não, não entram... Bom, exceto o Apyacá.
-Quem é o Apyacá?
-O Apyacá, doutor - o senhor nem imagina! - é um rapaz indígena que nem aculturado foi. Mentalmente limitado, foi agregado à fazenda pelo meu ex-marido para ajudar a cozinheira nas tarefas mais pesadas, que numa Casa Grande são muitas. Mas, veja, eu sou a patroa e ele, meu empregado. Por favor, o senhor não pode admitir o absurdo envolvimento meu com um infeliz serviçal como aquele.
-Claro que não, Da. Mariquita. Só me diga uma coisa: Onde mora o índio?
-Destinei um quarto a ele na própria sede da fazenda, doutor. Antes ele dormia no paiol de milho, mas com o falecimento de meu marido, senti-me mais segura trazendo-o para dentro da casa.
-Sim, entendo. O quarto dele, na Casa Grande, ficaria distante ou próximo ao quarto da senhora?
-Eu preferi colocá-lo num quarto mais próximo, sabe doutor, inclusive para facilitar a transmissão das minhas ordens a ele, dos meu pedidos, etc. Não temos interfone.
-Sim, sim. A senhora diria “muito próximo”?
-Bastante próximo. Na verdade, o quarto dele é parede-meia com o meu.
-Há uma porta, Da. Mariquita, entre os dois quartos?
-Claro que não, doutor. Que sentido faria uma porta, em meus aposentos, dando para dentro do quarto de um empregado!
-Calma, Da. Mariquita, desarmemos os espíritos. Há uma realidade diante de nós a reclamar compreensão. Se ainda uma vez me permite, essa parede que separa o seu dormitório, do dormitório do serviçal Apyacá, é uma parede íntegra, compacta?
-Eu não diria isto, doutor. A fazenda, como o senhor sabe, é muito antiga. A divisória que separa meu quarto do dele tem rachaduras, sim, frestas, algumas até bem dilatadas. Na verdade, só não mandei, ainda, arrumar aquilo por absoluta falta de tempo. Coisa simples, qualquer pedreiro tapa aqueles buraquinhos na hora.
-Entendo, entendo. E a cama em que a senhora dorme, fica encostada nessa parede rachada?
-Sim, fica bem colada à parede. Impossível outra arrumação. Do outro lado está o guarda-roupa, do outro a janela...
-Tudo bem. Sendo assim, Da. Mariquita, é correto concluir que, durante o sono, a senhora pode, eventualmente, encostar-se na parede onde existe a fenda, certo?
-É, eu não excluiria esta hipótese.
-Pois bem, então vamos pensar juntos.
Da. Mariquita, é consabido que gravidez não cai do céu. Ela, digamos, converge para a mulher a partir de um homem. Necessariamente a partir de um homem. Neste seu caso, diante de todos os fatos e condições que acabamos de checar, a senhora não admitiria a hipótese - pelo amor de Deus, não me leve a mal - de que uma possível convergência condutora, noturna, proveniente do silvícola Apyacá, possa ter-se insinuado em seu quarto através da fissura da parede?
Neste ponto Da. Mariquita balança negativamente a cabeça, pensa um pouco e zanga-se em voz baixa, quase que para si mesma:
-Ahhh, índio safado!
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(Publ. a 20.11.2009, em http://oglobo.globo.com/pais/noblat/mariahelena)
sexta-feira, 20 de novembro de 2009
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Muito bom,
ResponderExcluirde bobo o indio não tem nada.
E agora será o que vai acontecer com o Apyacá?!?
arrumar um pedreiro, nem pensar.
ResponderExcluirAgora ele é pai do herdeiro, não é Michel? rsrss
ResponderExcluir"E num é que eu fiquei curiosa com a prenha da D. Mariquita!" Cheguei até em pensar na vinda de um novo "bendito é o fruto"
ResponderExcluirkkkkkkkkkkkkkkkkkkkk