Janeiro, 1960
Quem, por acaso, vier a escrever um livro sobre o medo, há de dedicar-me pelo menos um capítulo, sob pena de ver incompleto seu tratado. É pouco provável que outro menino tenha se tornado homem passando pelos medos que passei. Por intoleráveis que sejam as lembranças dos malfados que me infernizaram a adolescência, quero falar do maior deles, o tremendo sufoco que foi a primeira “carona” que ganhei, por volta dos onze anos.
Minhas férias estavam por terminar e Titia, possivelmente já desejando descanso
das traquinagens do sobrinho irrequieto, tratou de despachar-me para casa. Meu
Tio, por comodidade ou falta de tempo, preferiu não ir ao centro de Muriaé, MG,
colocar-me num ônibus, para Leopoldina, onde meus pais moravam. Achou mais
fácil conseguir, no Posto de Polícia Rodoviária, vizinho de sua casa, que me
colocassem de carona num caminhão com “caminhoneiro de confiança”.
Isto foi feito. Não demorou muito, o guarda me confiava a um motorista muito
conhecido na minha Leopoldina da época, o Sr. Vitorino Esteves, que gentilmente
me acomodou na cabina empoeirada de seu “International KB-7”, entre ele (o
motorista) e seu ajudante (e meu inconsciente algoz), um brutamontes com cara
de pouquíssimos amigos. E, pela então difícil estrada de cascalho que ligava
Muriaé a Leopoldina, iniciei o que veio a ser a mais torturante viagem da minha
vida.
Não falo do medo que, para mim, representava o fato de transitar por aquelas
regiões desertas, onde muito raro se via uma casa. Nem vale a pena falar do
medo, aliás natural, de viajar num enorme caminhão com altíssima carga, dando a
entender que iria virar à menor curva do caminho. Não, nem falemos nisso.
Falemos do medo maior que abarcava tudo: medo do brutamontes mal encarado.
Imaginem que já entrei no caminhão ouvindo relatos de brigas.
Segundo o que ele dizia de suas proezas, seria um assassino. Sim, brigara com
fulano, dera-lhe uma facada assim, assado... Quanto a beltrano, foi uma briga
ainda pior, em que fora obrigado a matá-lo também a faca. Seu forte parecia ser
facada na barriga.
Relatava suas lutas corporais com exaltações teatrais, que eu, ali no meio,
sufocado entre palavrões, ameaças e gestos violentos, comecei a tremer e a ter
vontade de chorar. Rezava para que Leopoldina chegasse logo. Mas não chegava.
Para martírio maior, no alto de uma serra de aspecto sinistro, mata dos dois
lados da estrada, seu Vitorino, dizendo-se cansado da viagem que vinha
empreendendo, parou para dormir. Pior: dormir lá em cima da carga do caminhão,
deixando-me só, na cabina, com meu verdugo.
Veio-me um nó na garganta e já me havia decidido deixar de lado a vaidade
masculina e cair em pranto, quando Deus, possivelmente decidindo interferir,
determinou que a assustadora criatura também sentisse sono e fosse dormir numa
esteira, debaixo do caminhão.
Só ao fim do dia chegamos a Leopoldina. Tremia. Minha mãe me trouxe água com
açúcar.
- Que bobagem, meu filho! O Sr. Vitorino Esteves é pessoa bonísssima, conhecido
do seu pai... Se o ajudante trabalha com ele, também não deve ser má pessoa.
Ninguém tem culpa de não ter uma cara bonita e não saber escolher o que falar
perto de uma criança.
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