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Março, 2011
Estamos no ciclo de consumo da Bruna Surfistinha e, sendo este mundinho moderno em que vivemos caudatário da mídia escrita e televisada, oportunidade melhor não surgirá para que eu lhes apresente o cidadão mineiro Tatão Magela, mais conhecido no Arraial da Bica d’Água pelo apelido de “Faz de Besta”.
Arraial da Bica é localidade diminuta e, logo à chegada, a uns cem metros da primeira viela parecida com rua, há uma construção modesta, à margem da estrada de chão batido, com avarandado de amianto à frente, onde logo se identifica uma mesa de bilhar, prateleiras com garrafas, quatro pequenas mesas e cadeiras de assentos trançados em embira. Ao fundo um pequeno balcão atrás do qual milita o dono do singelo comércio, Sr. Sebastião Magela, de apelido “Tatão Magela” para quem a ele se dirige diretamente, ou “Faz de Besta” sempre que referido pelas costas. A maldade do povo é um caso sério!
Como disse Miguel Torga, o escritor português que morou em Minas Gerais e estudou no “Gymnasio Leopoldinense”, da cidade de Leopoldina, entre 1920 e 1925, “nós criamos o mundo à nossa medida. Tem o mundo simples dos simples e o mundo complexo dos complicados”.
Decidam vocês em qual desses dois mundos vive Tatão Magela.
Chegado aos cinquenta anos como carroceiro de pequenos fretes, abandonou a penosa profissão no mesmo dia em que faleceu Alarico, seu burro de tração. Na ocasião achava-se ele um tanto ou quanto amancebado, no “baixo merê” local, com Dilvenira Baianinha, a fenomenal “Didil”, moça vinte e cinco anos mais nova. Empenhado em tirar sua amada daquele lugar, para ele intolerável, Tatão teve a idéia de montar (com ela) um botequim (podem ler birosca suspeita) em sua própria casa, situada na entrada do lugarejo, como dito acima.
Tatão cuidaria do negócio em si, principalmente venda de bebidas, e a faceira moreninha, Didil, responsável pela - digamos – administração dos relacionamentos com o público, recebendo no compartimento dos fundos.
O negócio tinha tudo para dar certo, e deu. Regras do jogo bem pactuadas entre “marido” e “mulher”, os freqüentadores, quase só gente conhecida, apenas procuravam ser discretos, poupando Tatão de constrangimentos diretos. Pedir uma cerveja para tomar lá fora “onde está menos calor”, dar volta pelos fundos e entrar nos aposentos da Didil, era uma das encenações menos gravosas ao anfitrião.
Deu-se, porém, que o “marido” começou a revelar ciúmes sempre que as entrevistas com Didil se alongavam além do previsível. Tais clientes, ao voltar lá de trás, costumavam ouvir desaforos e repreensões sem pé nem cabeça, para o contexto. Foi quando alguém mais afoito, mais impiedoso ou mais bêbado, resolveu atiçar a realidade na cara do acossado:
-Não faz de besta, Tatão! Você aluga a mulher... Pensa que a gente é bobo? Não faz de besta, não!
Virou lenda. Tatão Magela ganhou novo apelido e seu estabelecimento a referência definitiva: “Boteco do Faz de Besta”.
Tá lá. Não tem anúncio na fachada, mas todo mundo sabe onde fica.
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(Publicada em 24.03.2011 em http://oglobo.globo.com/pais/noblat/mariahelena/)
quinta-feira, 24 de março de 2011
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