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Fevereiro, 2010
Há dias, prometi falar aqui do lugar onde nasci. Alguns leitores podem ter pensado: e nós com isto?
Tranqüilidade total. Nada de culto à minha despicienda personalidade nem promoção de algum sítio turístico das minas gerais. O que me veio à mente foi uma lembrança divertida, rivalidade boba das gentes do meu interior mineiro.
Rivalidade entre cidades, aliás, não é coisa só do interior. São incontáveis as brincadeiras da concorrência entre Rio e São Paulo, e a rivalidade entre a cidade do Porto e Lisboa já rendeu até livro em Portugal. A sempre airosa Lisboa tem uma existência para conformar-se com a realidade assaz desconfortável de que "Porto de Cale" está na raiz de "Portugal".
Em Minas, Juiz de Fora já rivalizou com Belo Horizonte. Agora é briga superada porque Belo Horizonte cresceu demais. Da disputa antiga não ficaram mais que algumas piadinhas raras sobre um pretenso esnobismo do juiz-forense, de “julgar-se” carioca... “Vende-se apartamento, em Juiz de Fora, com vista para o mar...”
Ainda em Minas existe outra pendenga não de todo superada entre Uberaba e Uberlândia. Uberlândia, no passado, foi distrito de Uberaba – com o nome de “Uberabinha”. Hoje é muito maior e mais próspera que a “antiga sede do município”. Não dá mais para reverter.
Casos há em que o vezo de fazer piadas com vizinhos dispensa “rivalidade”, propriamente dita. Seria o caso de Rio de Janeiro e Niterói. O carioca adora brincar com Niterói, quando uma “queda de braço” entre as duas cidades seria um despropósito.
Guardadas as distâncias, ocorre o mesmo em minha terra. Leopoldina, MG, é sede de município, sede de comarca e de bispado. Tem uns 60 mil habitantes. Ocultam-se nas brumas do passado, entretanto, a mania que os leopoldinenses têm de implicar com um pequenino arraial, de seu distrito, chamado Piacatuba.
Piacatuba é antiqüíssimo, talvez não tenha mil habitantes, mas possui casarões que remontam ao segundo reinado e uma histórica igreja. Existe lá a lenda da “Cruz Queimada”. Um fazendeiro impiedoso, no passado, insurgindo-se contra o soerguimento de uma cruz na pracinha da localidade, por fazer parte de sua fazenda, amontoou sobre ela vários carros de lenha sequinha, ateado fogo para queimar a cruz e... Milagre! A lenha virou cinza em três dias de labaredas e a cruz sobreviveu apenas escurecida pela fumaça... Não ardeu. Lá está ela, ainda hoje, absolutamente íntegra para emoção dos romeiros.
Pois bem, os leopoldinenses não cansam de fazer piadas com Piacatuba e com quem nasce em Piacatuba. Negam que o progresso tenha chegado lá, insistem em que os piacatubenses sejam refratários à cultura, caipiras e simplórios.
Se num jogo de futebol alguém dá um chutão pro alto, certamente um gaiato na torcida gritará:
-Êh Piacatuba!
Se na tela do cinema aparece um tipo esquisito, alguém reagirá na platéia:
-Piacatuba!
Dito isto, passo a falar de mim. Nasci numa fazenda próxima a Piacatuba. Registraram-me lá. Fui, entretanto, criado em Leopoldina. O diabo é que em minha certidão de nascimento está escrito – Maktub! – nascido em Piacatuba.
Sintam o drama. Com 19 anos fui para o Rio de Janeiro, estudar e trabalhar. Aos 27 dei um pulinho de volta a Minas para casar-me com a namorada dos tempos do secundário. Casamento na casa do sogro, festança, dezenas de amigos, familiares, colegas, penetras, uma sala enorme entupida de gente. O escrivão começa a leitura formal de “minha união”: “Querem casar-se, etc., fulano, fulana.... Ele, nascido em Piacatuba...”
Ah, minha gente, pra quê! A sala quase veio abaixo às gargalhadas. Cena de um surrealismo impressionante. As pessoas riam de segurar a barriga. Tudo porque “ele”, ou seja, eu, era “nascido em Piacatuba.”
Lembro-me de uma tia da noiva, vinda de São Paulo, exclamar: - Gente, que coisa mais engraçada! De que riem tanto?
Noivo, noiva, padrinhos, escrivão, até o papagaio da casa ria junto... “Ele, nascido em Piacatuba!”
A rapaziada do meu tempo não era mole. Ainda hoje não dá para escrever sem rir.
Anos depois viria outra anedota. Residindo no Rio de Janeiro, desejei levar para casa um “queijo minas”, muito bom, que faziam em Piacatuba. Entrei numa padaria de Leopoldina e brinquei com a balconista:
-Por favor, embrulhe pra mim aquele queijo ali, “fabricado na minha terra”. E, com o dedo no vidro, apontei o queijo de Piacatuba.
Uma senhora ao lado, 40 anos presumíveis, segurando sua sacola de pão, olhou-me de alto a baixo, conferiu minha camisa, minha calça, meus sapatos e não se conteve:
-O senhor é de Piacatuba?
-Sim, nasci lá.
E ela, esbanjando simpatia:
-Mas o senhor deve estar fora de lá há muitos anos, não é?
Fiquei lisonjeadíssimo, claro.
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(Publicado em 04.02.2010 em http://oglobo.globo.com/pais/noblat/mariahelena/)
sábado, 13 de fevereiro de 2010
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MEU BISAVÔ NASCEU TAMBÉM EM PIACATUBA, NESTA ÉPOCA PIEDADE, PENA QUE NÃO O CONHECI PARA PEGAR NO PÉ. GOSTEI MUITO, DEI GARGALHADAS COM O TEXTO. MUITO BOM. MARCO ANTONIO DE TUMIRITINGA
ResponderExcluirÔ amigo Marco Antonio. Muito obrigado. Uma hora diga pra gente onde fica Tumiritinga pra gente poder rir mais um pouco...
ResponderExcluirOi!!! Nasci em Piacatuba tbm e moro a 17 anos em Pindamonhangaba S.P. Adorei seu texto e fico feliz quando encontro alguém da minha terra e que se orgulha dela como eu. Vivi momentos maravilhos lá, que nunca vou me esquecer. E quem não conhece, antes de criticar apenas pelo nome, deveria ver o que é realmente uma cidade de pessoas tão acolhedoras e felizes!!!!
ResponderExcluirOLÁ, MEU NOME É GILVANE ESTIVE EM PIACATUBA UMA UNICA VEZ QUANDO TINHA 3 ANOS MAS MINHA FAMILIA É TODA DE LÁ MEUS PAIS COM MEUS IRMÃOS MAIS VELHOS VIERAM PARA ANGRA NA DÉCADA DE 60 MAS AINDA TENHO PARENTES POR LÁ
ResponderExcluirObrigado, amigos, pelos comentários. Não vou muito a Piacatuba mas sei que lá, hoje, está se transformando num dos espaços culturais mais importantes de Leopoldina, MG, inclusive, com festivais gastronômicos. Está virando moda, em Leopoldina, ir a restaurantes em Piacatuba.
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