Fevereiro, 2010
– Teixeira, amigo velho, cumé que vai? Te vi binado aqui no meu “cell phone”, tô retornando. Quê que cê manda, cumpade?
– Teixeira, amigo velho, cumé que vai? Te vi binado aqui no meu “cell phone”, tô retornando. Quê que cê manda, cumpade?
– .........
– Não, Teixeira, é brincadeira, não
costumo chamar celular de “cell phone”. É que acabei de ouvir o Bono Vox dizer
isto e resolvi imitá-lo. O Bono não é uma pessoa admirável? Um astro, um
“performer” planetário do público jovem, que assume publicamente sua espiritualidade
de berço. Um homem bom, portanto um homem raro. A conotação publicitária
importa menos.
– .........
– Olha, Teixeira, sua companhia nos
é sempre muito grata. Etelcira e eu adoramos estar com você e Ormenzinda. Mas
desta vez não vai dar. Este ano estamos fugindo do carnaval na praia. Se você
quiser, a casa está lá à sua disposição. O governo do Espírito Santo agradece. Nós
vamos para Aruba, imagine! Etelcira ganhou passagens aéreas de brinde,
comprando verduras, bijuterias e legumes no cartão de crédito.
– .........
Sem falar que Carnaval, hoje em
dia, virou programa de doido, não é Teixeira. Gritaria infernal, música baiana
aos dercibeisbotões, bateção de caixa, lixo, latas, cacos de garrafa
na rua, rapaziada fazendo xixi nas muretas dos jardins, fedentina. A coisa tem
piorado muito, companheiro!
–
.........
Não, isto de sexo-a-termo em via
pública eu nem ligo. Nunca me incomodei com cães cruzando na rua, nada contra a
moçada fazer cover dos bichinhos. O
que me incomoda é a falta de educação desses jovens criados em anomia absoluta,
avessos a valores, a regras de conduta. Essa coisa terrível, poderosa, que é a
falta de educação dos nossos moços! Principalmente jovens do sexo masculino. Da
minha varanda eu observo. As mocinhas estão, sim, totalmente liberadas, mas não
perderam condição humana. Elas ainda guardam compostura de gente. Já os
rapazes, não. A publicidade que manda beber cerveja para alcançar o sucesso
está acabando com eles. Viraram bichos: xixi onde dá vontade, despudor,
insolência, palavrões, uivos... A impressão é que a espécie humana, machos à
frente, iniciou processo de involução ao neolítico.
– .........
Não, não tem mais. Carnaval de clube
acabou. Há alguns anos, o Guia Quatro Rodas citou nosso balneário como sede de
um ótimo carnaval. Pra quê! Encheu aquilo lá de gente, o clube não teve espaço
pra todos, houve quebra-quebra, arrebentaram os vitrais, as portas, as janelas.
O que sobrou do prédio está abandonado. Hoje a rapaziada brinca carnaval numa
pracinha sinistra onde vale tudo. Na manhã seguinte é aquele chiqueiro. Alguns
amanhecem dormindo na lama sapateada de cerveja, urina e sabe-se lá do que mais.
– .........
– É, não demora vai ser o mês de
fevereiro inteirinho. Do barulho a gente nem devia reclamar, não é Teixeira.
Fomos jovens e também já gostamos disto. Felizmente, no meu bairro o “entrudo” fica
distante, uma rua abaixo. Cerrando as janelas e puxando a cortina dá até pra conversar
dentro de casa.
– .........
Sei lá o que é entrudo, Teixeira!
Parece que foi o primeiro nome que deram ao carnaval. Como é uma palavra esquisita,
de acepção obscura, fica disponível para catarses.
– .........
Eu vi no Jornal da Globo. Há uma
ideia de ressuscitar as marchinhas carnavalescas. Seria uma boa, não é Teixeira?
Além de menos primitivas nas letras, em comparação com o que se ouve por aí, eram
um veículo poderoso de crítica social. Já pensou essas figuraças da senatoria
pátria estigmatizadas para o resto da vida numa marchinha carnavalesca,
daquelas antigas?
As marchinhas poderiam prestar um
bom serviço à democracia brasileira. Seria o carnaval fazendo justiça onde os
tribunais vacilam.
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(Publicada em 11.02.2010
em http://oglobo.globo.com/pais/noblat/mariahelena/)
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