Janeiro, 2010
(Publicada em 28.01.2010 em
http://oglobo.globo.com/pais/noblat/mariahelena/)
No meu tempo de faculdade esteve em moda ler Pitigrilli. Não me lembro em qual de seus livros topei uma frase que guardaria: “Ver um ser humano julgando a outro, é espetáculo que me mataria de rir se não me causasse pena”.
Dizem os jornais que o Superior Tribunal de Justiça Desportiva (STJD) acaba de julgar o atleta Jobson, da equipe do Botafogo, nos termos do artigo 244 do Código Brasileiro de Justiça Desportiva, condenando-o a ficar 2 (dois) anos sem jogar futebol. Motivo, doping.
O passe do jovem atleta, que ainda pertence ao Brasiliense, clube onde foi revelado, seria adquirido pelo Cruzeiro de Belo Horizonte, por R$4 milhões de reais. Claro, o Cruzeiro desistiu da contratação.
Ou seja, numa penada exaustiva, de 3 votos contra 2, o STJD, praticamente liquidou com a carreira promissora de um pobre rapaz de 21 anos em razão de sua doença. Ele usa drogas.
Doença! A OMS (Organização Mundial de Saúde) reconhece a dependência química como uma doença de caráter progressivo, incurável. Pode, no entanto, ser controlada. Do mesmo modo, embora não com tanta facilidade, como se controla o diabetes, a alergia, a epilepsia, a pressão alta, etc.
Não são poucos os exemplos de atletas, do futebol e de outras modalidades esportivas que, diagnosticados em alguma doença não incapacitante, puderam seguir na profissão e no esporte. Registros de arritmia cardíaca, AIDS e até esquizofrenia já repercutiram publicamente sem incidência da apenação atroz que agora se pratica. De uso de drogas, também.
Compreende-se que a ingestão de substâncias químicas que melhoram o desempenho de atletas é doping, constituindo-se em prática intolerável por desvirtuar a ética desportiva. Há que ser fiscalizado e punido em nome da lisura nas competições.
Só que a prática abusiva do doping deve ser apurada com lucidez. Nem toda evidência química é prova de que o atleta se dopou para melhorar desempenho. O exame laboratorial atesta a evidência química. Se ela é conseqüência do ânimo de dopar-se é outra coisa a ser apurada.
Mesmo porque, no caso do jogador Jobson, a droga usada (crack) não melhora o desempenho atlético. Ao contrário, compromete-o seriamente ao interferir na capacidade pulmonar do atleta.
Espera-se que o ser humano encarregado de julgar possua discernimento para separar o atleta saudável que usa uma substância química “para melhorar seu desempenho”, do atleta adoecido cujo exame antidoping acusou evidências de uma doença. Não se sentencia com um carimbo. O juiz que assim procede faz tábula rasa de sua condição de pessoa humana com domínio do raciocínio abstrato e da instrospecção.
O tal artigo 244 do Código Brasileiro de Justiça desportiva acerta quando cuida de punir o doping. Falha, entretanto, quando estabelece penalização “de carimbo”, inafeiçoável a casos específicos em que alguma substância condenável entrou no organismo do atleta, não com ânimo de fraudar o esporte, mas pela circunstância de uma enfermidade.
Os números da condenação (3 contra 2) estão a demonstrar que o próprio tribunal que “puniu a doença de Jobson” não o fez pela unanimidade de seus membros.
E vejam o paradoxo: a pena prevista no citado artigo 244 é “Suspensão de 120 (cento e vinte) a 360 (trezentos e sessenta) dias e eliminação na reincidência”.
Ou seja, bem interpretada a letra desse infeliz dispositivo aplica a “suspensão” (pena menor), a quem não é doente. Isto é, em quem “consegue não reincidir”. Já o atleta doente, que dificilmente ficará na primeira transgressão, a este a lei reserva a “eliminação”...
Não vem ao caso sugerirmos aqui a pena que julgamos correta. Estabelecimento de um prazo para tratamento? Talvez. É uma tarefa desafiadora para os legisladores do esporte.
Dizemos, apenas, que liquidar a carreira de um menino pobre, de 21 anos, a quem Deus concedeu a chance rara da virtude atlética, apenas porque ele passa por uma doença que pode ser tratada e controlada, é atitude de uma estupidez crassa.
(28.01.2010)
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sexta-feira, 29 de janeiro de 2010
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