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Ano, 2005
Na cidade de Minas onde resido o único hospital que atende o grande público é uma “Casa de Caridade” que, como todas as outras pelo Brasil, vive em dificuldade. Precisa, desesperadamente, de ajuda da sociedade local para disponibilizar saúde mínima aos pobres que a ela recorrem. Os recursos do SUS são limitados. O buraco é enorme. Costuma faltar antibiótico no CTI, ataduras no Pronto Socorro, vagas para cirurgias urgentes.
Indivíduos que generosamente colocam mãos à obra para tentar sanar a situação nem sempre são compreendidos. Mas não se pode é desistir. Toco no problema porque sei que ele é nacional.
Lembro-me de uma palestra de José Serra, quando Ministro da Saúde, abordando a importância do voluntariado. Parecia a ele ocorrer, entre as pessoas, uma exacerbação do mercantilismo, um recrudescimento do personalismo, acompanhados de uma espécie de dissolução dos laços de solidariedade social. Afirmava: "Passou-se a transferir para o Estado quase toda a responsabilidade de atender às demandas da população carente".
Esta é, a nosso ver, uma avaliação correta do que se passa em muitas cabeças. Há meses, participando de uma reunião com profissionais e empresários da minha região de Minas, procurávamos expor os problemas cruciais do nosso Hospital, enfatizando a franca insuficiência dos recursos oficiais para mantê-lo, e, portanto, a necessidade imperiosa da intervenção de forças atuantes da sociedade local no processo. Discorríamos sobre a efetiva incapacidade de o Estado prover integralmente a saúde, quando um respeitável empresário, sentindo-se incomodado, retrucou: "Não seria mais razoável que o Provedor do Hospital, cuidasse do seu negócio enquanto eu cuido do meu? Eu já pago imposto!"
Não vinha ao caso esclarecer que a função dativa do Provedor da Casa de Caridade (um homem que trabalha de graça) jamais seria "negócio". Meu interlocutor não tinha dúvida disto. Ele apenas entendia que as pessoas não precisam ajudar um hospital filantrópico porque isto é obrigação do Governo. Ele escolheu mal as palavras. Gafe perdoável. Mas um fato se comprovava: o Ministro Serra, conhece nossa gente e sabia do que estava falando.
As pessoas não se dão conta de que se adoecerem de repente, em muitíssimos casos, serão socorridas num Hospital nascido exatamente da iniciativa voluntária de nossos antepassados, homens de responsabilidade social ativa que não descuraram da atenção à saúde. Ou seja, se aquele ilustre empresário baixar hospital amanhã irá beneficiar-se dos cuidados de empresários de ontem, iguais a ele. O melhor, quase iguais a ele...
Nem todos dão conta de que a totalidade das Santas Casas, por este Brasil a fora, foram construídas, equipadas e, durante anos, mantidas por contribuições espontâneas da sociedade a que servem. Inclusive por comunidades de imigrantes, como portugueses, italianos, sírios, libaneses, espanhóis, etc, gente humilde e honesta que veio para este país trabalhar duro e vencer, sempre com suor e sacrifício.
Rematava José Serra: "A doação voluntária de recursos e a prestação gratuita de serviços continuam indispensáveis. Primeiro porque o Estado não pode tudo. A União, os Estados e os Municípios não teriam como cobrir, apenas com impostos, os gastos crescentes com a ampliação e a melhoria dos serviços de saúde".
Ninguém duvida também que o toque de humanidade implícito num gesto de desprendimento pessoal, marca indelével do trabalho voluntário, pode ser muito mais importante para o doente que o próprio remédio. A vida em sociedade pressupõe essa troca de calor humano.
Os jornalistas, Taísa Ferreira, Lúcia Leão e João Paulo Tupynambá, relacionam em seu livro Crônicas de um Gesto Voluntário, casos emocionantes como o de Orestes Golanovski, de Canoinhas, Santa Catarina, possivelmente o maior doador mundial de sangue. Aos 60 anos doara 90 litros. Também o caso de Teresa Corrêa, levantando cedinho em São José dos Pinhais, para percorrer as enfermarias do Hospital Erasto Gaertner, de Curitiba, só para anotar recados dos internos e passá-los a entes queridos. Cita o voluntariado da arquiteta Veridiana Tambinus, de Ribeirão Preto, SP, também madrugadora para ser motorista da Associação Brasileira de Combate ao Câncer Infantil. Ah, sim, usando o próprio carro. Lembram ainda Da. Ester Souto, a mais velha voluntária do Brasil, que criou, em 1945, a Sociedade Pernambucana de Assistência a Indigentes. Citam, no Rio, o cantor Ney Matogrosso e o ator Ney Latorraca, envolvidos com o Movimento de Reintegração das Pessoas Atingidas pela Hanseníase... E outros, e outros mais.
Anote-se aqui o exemplo edificante do empresário Antonio Ermírio de Morais que não se considera um homem ocupado e doa, há vários anos, parte de seu tempo para gerir a Beneficência Portuguesa, de São Paulo. E do engenheiro Egydio Bianchi, que fundou, em São Paulo, há cerca de 20 anos, o CORA - Centro Oncológico de Recuperação e Apoio, para prestar suporte psicológico a pacientes de câncer e a seus familiares.
Por estas e por outras, percebe-se que nem tudo está perdido. Ainda existem pessoas que, sem prejuízo de compromissos pessoais, encontram tempo e humanidade para cuidar dos negócios dos seus semelhantes. Não é bonito?
₪₪₪₪₪₪₪₪₪₪₪
(Publicado no jornal LEOPOLDINENSE)
Ano, 2005
Na cidade de Minas onde resido o único hospital que atende o grande público é uma “Casa de Caridade” que, como todas as outras pelo Brasil, vive em dificuldade. Precisa, desesperadamente, de ajuda da sociedade local para disponibilizar saúde mínima aos pobres que a ela recorrem. Os recursos do SUS são limitados. O buraco é enorme. Costuma faltar antibiótico no CTI, ataduras no Pronto Socorro, vagas para cirurgias urgentes.
Indivíduos que generosamente colocam mãos à obra para tentar sanar a situação nem sempre são compreendidos. Mas não se pode é desistir. Toco no problema porque sei que ele é nacional.
Lembro-me de uma palestra de José Serra, quando Ministro da Saúde, abordando a importância do voluntariado. Parecia a ele ocorrer, entre as pessoas, uma exacerbação do mercantilismo, um recrudescimento do personalismo, acompanhados de uma espécie de dissolução dos laços de solidariedade social. Afirmava: "Passou-se a transferir para o Estado quase toda a responsabilidade de atender às demandas da população carente".
Esta é, a nosso ver, uma avaliação correta do que se passa em muitas cabeças. Há meses, participando de uma reunião com profissionais e empresários da minha região de Minas, procurávamos expor os problemas cruciais do nosso Hospital, enfatizando a franca insuficiência dos recursos oficiais para mantê-lo, e, portanto, a necessidade imperiosa da intervenção de forças atuantes da sociedade local no processo. Discorríamos sobre a efetiva incapacidade de o Estado prover integralmente a saúde, quando um respeitável empresário, sentindo-se incomodado, retrucou: "Não seria mais razoável que o Provedor do Hospital, cuidasse do seu negócio enquanto eu cuido do meu? Eu já pago imposto!"
Não vinha ao caso esclarecer que a função dativa do Provedor da Casa de Caridade (um homem que trabalha de graça) jamais seria "negócio". Meu interlocutor não tinha dúvida disto. Ele apenas entendia que as pessoas não precisam ajudar um hospital filantrópico porque isto é obrigação do Governo. Ele escolheu mal as palavras. Gafe perdoável. Mas um fato se comprovava: o Ministro Serra, conhece nossa gente e sabia do que estava falando.
As pessoas não se dão conta de que se adoecerem de repente, em muitíssimos casos, serão socorridas num Hospital nascido exatamente da iniciativa voluntária de nossos antepassados, homens de responsabilidade social ativa que não descuraram da atenção à saúde. Ou seja, se aquele ilustre empresário baixar hospital amanhã irá beneficiar-se dos cuidados de empresários de ontem, iguais a ele. O melhor, quase iguais a ele...
Nem todos dão conta de que a totalidade das Santas Casas, por este Brasil a fora, foram construídas, equipadas e, durante anos, mantidas por contribuições espontâneas da sociedade a que servem. Inclusive por comunidades de imigrantes, como portugueses, italianos, sírios, libaneses, espanhóis, etc, gente humilde e honesta que veio para este país trabalhar duro e vencer, sempre com suor e sacrifício.
Rematava José Serra: "A doação voluntária de recursos e a prestação gratuita de serviços continuam indispensáveis. Primeiro porque o Estado não pode tudo. A União, os Estados e os Municípios não teriam como cobrir, apenas com impostos, os gastos crescentes com a ampliação e a melhoria dos serviços de saúde".
Ninguém duvida também que o toque de humanidade implícito num gesto de desprendimento pessoal, marca indelével do trabalho voluntário, pode ser muito mais importante para o doente que o próprio remédio. A vida em sociedade pressupõe essa troca de calor humano.
Os jornalistas, Taísa Ferreira, Lúcia Leão e João Paulo Tupynambá, relacionam em seu livro Crônicas de um Gesto Voluntário, casos emocionantes como o de Orestes Golanovski, de Canoinhas, Santa Catarina, possivelmente o maior doador mundial de sangue. Aos 60 anos doara 90 litros. Também o caso de Teresa Corrêa, levantando cedinho em São José dos Pinhais, para percorrer as enfermarias do Hospital Erasto Gaertner, de Curitiba, só para anotar recados dos internos e passá-los a entes queridos. Cita o voluntariado da arquiteta Veridiana Tambinus, de Ribeirão Preto, SP, também madrugadora para ser motorista da Associação Brasileira de Combate ao Câncer Infantil. Ah, sim, usando o próprio carro. Lembram ainda Da. Ester Souto, a mais velha voluntária do Brasil, que criou, em 1945, a Sociedade Pernambucana de Assistência a Indigentes. Citam, no Rio, o cantor Ney Matogrosso e o ator Ney Latorraca, envolvidos com o Movimento de Reintegração das Pessoas Atingidas pela Hanseníase... E outros, e outros mais.
Anote-se aqui o exemplo edificante do empresário Antonio Ermírio de Morais que não se considera um homem ocupado e doa, há vários anos, parte de seu tempo para gerir a Beneficência Portuguesa, de São Paulo. E do engenheiro Egydio Bianchi, que fundou, em São Paulo, há cerca de 20 anos, o CORA - Centro Oncológico de Recuperação e Apoio, para prestar suporte psicológico a pacientes de câncer e a seus familiares.
Por estas e por outras, percebe-se que nem tudo está perdido. Ainda existem pessoas que, sem prejuízo de compromissos pessoais, encontram tempo e humanidade para cuidar dos negócios dos seus semelhantes. Não é bonito?
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(Publicado no jornal LEOPOLDINENSE)
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