Setembro, 2011
Confesso
que não me sinto bem, hoje. Estou com raiva. Muita raiva. Mesmo ciente do
alerta de Guimarães Rosa, para quem ter raiva de alguém, ou de alguma coisa,
equivale a autorizar que esse alguém ou essa coisa passe a governar nossas
ideias e nosso sentir, não consigo dominar meu ódio a esses aparelhinhos bestas
de rodar DVD.
Imaginem
vocês que não vejo filme em casa há uns quatro meses. Meu antigo “reprodutor de
DVD” pifou e só ontem comprei outro, para ruína do meu dia de hoje. Disse à
minha mulher que eu mesmo o conectaria à TV e me danei.
Alguém
aí já tentou conectar um aparelho de rodar DVD à TV? Conseguiu? Eu não
consegui. E olha que sou considerado na família um cara habilidoso, desses que
a esposa nunca diz que precisa “chamar um homem” pra fazer isto ou aquilo.
Consertar cabos de eletrodomésticos, trocar interruptores (troco sem desligar a
luz), disjuntores, torneiras, substituir resistência de chuveiros elétricos,
trocar lâmpadas queimadas (complicadíssimo, não!)... É só a patroa
convocar que: − Yes, I can!
Pois
o maldito aparelhinho de DVD conseguiu tripudiar sobre todo esse meu cabedal de
habilidades. Apelei para o Manual que, aliás, não prima pela clareza: são 29
páginas de letrinhas microbianas e gráficos torcicolosos. Peguei os óculos
porque uso lentes 3.7 para perto. Não deu pra ler. Confirmei com minha mulher
(ela, de óculos) se minhas lentes estavam limpas. Estavam, mas realmente não
dava pra ler. Apelei para a lupa dos meus netinhos brincarem. Ah,
finalmente!
Primeiro
estes três cabos: vermelho, branco e amarelo. No diagrama está o painel “A”,
onde se lê “TV”, com entradas (buracos) assinaladas com “L”, “R” e Video. Consta ainda a palavra Imput.
Imagino ser o equivalente de nosso verbo imputar em sua acepção inglesa de
enfiar, atochar... Bom não ser absolutamente cego num segundo idioma, não é
mesmo.
Já
no diagrama “B”, lê-se a palavra “Televisor” (no “A” é “TV”, lembram!) Passo a
lidar, então, com a distinção de dois conceitos que sempre imaginei
indistintos: TV e Televisor! Mas vamos em frente. Tenho que imputar (Imput),
no esquema “B”, o cabo verde no orifício (que eles chamam de tomada) “Y”; o
cabo azul no orifício “Pb”; e o cabo vermelho no orifício “Pr”... Ixe! Nada de
imagem, nada de som.
O
que será Y, o que será Pb e o que será Pr, meu Deus? Se este último “r” fosse
maiúsculo, me remeteria ao PR de Minas, Partido Republicano, que levou o
mineiro de Viçosa, Artur Bernardes, à presidência da república. Mas claro que a
coisa não passa por aí.
Observo
que no desenho “A”, existe um alerta que ali é Vídeo Out e Audio Out; no
esquema “B”, diz que é para Component Video
Out... Certamente haverá diferença importante entre esses dois entes
técnicos. Acabo descobrindo − imaginei. “Hay que pensar em positivo” – dicen
los hermanos.
Antes
do fim do dia – pensava
eu – terei atochado corretamente todos estes conectores para
que possamos, a patroa e eu, revermos o filme Notorious, de Alfred
Hitchcock, com cenas filmadas no Brasil e inclui um diálogo entre Gary Grant e
Ingrid Bergman no qual não chego a ser citado pessoalmente, mas há uma alusão à
terra onde nasci – Leopoldina, MG. O que também me promove. Já pensou? Minha
província nos lábios da Ingrid Bergman!
Ávido
de respostas, fui à página 32 do Manual onde está o capítulo, Guia para Solução de Problemas. Li com
atenção para perceber que eles chamam de “problemas” as ocorrências infaustas
surgidas depois que o aparelho é conectado; exatamente o que eu não estava
conseguindo fazer. Soquei, com malignidade, a mesa.
Minha
mulher convidou-me a desistir. Pressentiu que o DVD corria risco de ser estraçalhado
num ataque de ira, antes mesmo que eu passasse à maldição do Controle Remoto,
cujas instruções, aliás, ocupam a maior parte do Manual. Convenceu-me que colocar aquele troço para
funcionar era algo inteiramente fora dos limites de nossa aptidão. (Com esse
“nossa” buscava ela, inteligentemente, dividir com o doido sua
perigosa frustração).
Sugeriu
que chamássemos um técnico que, inclusive, depois de atrelado o aparelho ao
televisor, nos proporcionasse um cursinho intensivo de manejo do impenetrável
objeto.
Guardiã
atenta do meu sistema circulatório, minha esposa já discursava de copo d’água e
comprimidinho ansiolítico à mão. Ela sabe o quanto uma derrota para o mundo das
coisas intricadas me faz mal. Seria tão mais simples girar controles! Juro que,
se pudesse, trancava num beco úmido, para conviver com ratos, baratas e
samambaias brotando das paredes, todos os criadores dos botões digitais. Como
castigo adicional a obrigação de lerem “Os Sertões”, de Euclides da Cunha...
Veriam como é bom sacanear os outros na promoção de topadas.
Ah,
sim, o técnico disse que só poderá vir na próxima semana, mas nenhum problema.
Fã do Hitchcock, eu que já sou meio gordo posso também ficar bonachão de um
momento pra outro. O efeito do comprimidinho é rápido.
(Publicado em 22.09.2011 em http://oglobo.globo.com/pais/noblat/mariahelena)
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