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Maio,2011
Arte: Francisco de Souza (O Chico), por Luciano Baia Meneghite.
Hoje, causos da roça. Vamos ver se “dou conta” de não parecer apenas um bobão. O desafio é passar a quem não é mineiro, nem do mato, a “graça” que percebo nessas histórias de outros tempos. Se bem que, com as cidades consumindo música sertaneja, divulgadíssima até no horário nobre da Globo, o Brasil passe por caipirização que talvez me ajude. Vocês viram o livro didático do MEC oficializando o “nóis vai”? Antão vamo lá.
- O negócio é conforme o seguinte: Quando Deus fez o mundo e, no terceiro dia, mandou a terra produzir as erva e as árvore – tá na Bíblia – o que Ele fez na verdade foi despejar, lá da banda de riba cá pra baixo, um saco de semente, que ali tinha semente de tudo que era mato. No que caiu a primeira chuva, exprudiu aquela brotação geral que veio dar em tudo que inxiste, com raiz e com foia, nesse mundão de Deus.
Pera aí, Neneco, banana e bambu não têm sementes. Como foi que nasceu, então, o primeiro pé de banana?
-Bão, isso aí é conforme o seguinte: Mistério de Deus! E nos mistério de Deus nós não devemo meter a cuié.
Palavras de Neneco Passarim, a mais adorável e feliz criatura que Deus parece ter colocado no mundo com missões determinadas de ser simples e de ser bom. Colaborou com meu pai no campo por mais de quarenta anos e foi, com suas histórias deliciosas, a alegria de nossa infância. Minha e de minha irmãozada.
Morava numa casinha jeitosa, ao lado da nossa. Nela entrou ao casar-se, com vinte e cinco anos, e dela só saiu morto, em 1990, por complicações do seu diabetes.
Neneco foi pau pra toda obra: boiadeiro, carreiro, cavaleiro, controlava a água que fazia girar o moinho de fubá, o engenho de cana e fazia socar o monjolo. Engraçado e criativo que só ele, no dizer as coisas e no interpretar o mundo ao seu redor, colocava raciocínio de gente na cabeça dos bichos. Vejam só.
Soberbo, boi irrequieto que meu pai teimava em não mandar para o açougue por produzir boas filhas leiteiras, arrebentou cerca de arame farpado e destruiu parte de uma plantação de milho. Papai quis saber:
- O que houve, Neneco, o vento derrubou árvore em cima da cerca e ele passou?
- Não, Jão, aquilo ali foi conforme o seguinte:
O pasto tá muito fraco com esse tempo seco; o Soberbo viu aquele milharal verdinho e espigado do lado de lá da cerca, deve ter pensado: Ah, eu não vou ficar aqui comendo esse capim jaraguá estorricado, não; vou vazar nesse arame e me servir do bão e do mió... Não conversou, estufou o peito e levou a cerca de embrui...
Falam que boi não sabe a força que tem, mas o fidazunha do Soberbo sabe. Tá lá, redondo que nem um porco, deitado na sombra da sapucaia ruminando espiga de mio...
Não inventei nada, hem gente! Letra e música do Neneco Passarim. Mas talvez a melhor “dramatização” dele tenha ocorrido no dia em que minha mãe lhe perguntou a razão de uma galinha choca ter deixado o ninho com apenas quatro pintinhos.
Antes, convém explicar que nas fazendas antigas, onde as aves eram criadas soltas, sem métodos intensivos, quando uma galinha “entrava no choco”, alguém colocava debaixo dela pelo menos uns dez, ou doze, ovos pra bichinha não ficar ali 21 dias, no estado febril da incubação, por conta de dois ou três filhotes. A ave pode chocar tantos ovos quantos caibam sob seu corpo.
Outra particularidade é o costume de colocarem ovos de pata – cujo tempo de incubação é de 30 dias - para galinha chocar. A pata é boa mãe, mas se há riacho por perto ela vai longe com as “crianças” e as perde na correnteza. Prato feito para gaviões e outros predadores. Galinha é mais confiável. Fica ciscando por perto, atenta aos piados de perigo emitidos pela comunidade galinácea.
Pois bem, minha mãe vendo a carijó caminhar pelo quintal com quatro pintinhos, ficou curiosa:
- Ela chocou apenas quatro ovos, Neneco?
- Não, Da. Maria, isso aí se deu conforme o seguinte: essa galinha já tava no ninho, chocando quatro ovo dela, tinha uns cinco dias. Veio o moleque do seu filho, o Tiãozinho, e resolveu completar dez ovo, colocando outros seis... Só que ele colocou ovo de pato! Uai, coitada da galinha! Deu os 21dias, nasceu os quatro pintinho... Pros baita ovo de pato virar fióte ainda faltava muito tempo!
A galinha ainda esperou mais um dia... dois dia... no terceiro, os quatro pintinhos já empenado começaro a correr em roda do ninho, a mãe preocupada dos bichinho caçar rumo, olhou mei de banda praqueles seis ovão encrencado, e falou:
- Ah, com esses aí num tem jeito, não. E raspou fora!
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(Publicada em 19.05.2011 em http://oglobo.globo.com/pais/noblat/mariahelena/)
sexta-feira, 20 de maio de 2011
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