Foto: (à esq. em pé): Francisco Mendonça Gama, Prof. José de Andrade, Custódio Rodrigues Junqueira, Osmar Antonio Cunha Vasconcelos, Pedro Augusto Arantes, Prof. Geraldo Bertochi, Valter Juber Evangelista da Mata, Arlen José Fontes Freire, José do Carmo Rodrigues, Adauto Ferreira, Geraldo Hélio Coelho - (abaixo): Andréa de Albuquerque Andrade, Maria Carmen Junqueira Monteiro de Barros e Maria José Jardim Junqueira (1956 - 2º Clássico)
Julho, 1985
Manifestações simpáticas à nossa conversinha ribeira, na edição número-3, deste REENCONTRO, animaram-me a picar fumo e a enrolar mais um cigarrinho.
Destaco, envaidecido, a generosidade exagerada do romancista e ex-aluno, Ivan Vasconcelos (“A Passagem”, “O Tropel”, “Um Instante Depois”, “O Toque da Graça”), que teve a delicadeza de ocupar os olhos transigentes da amizade com minhas nostalgias desenxabidas e ainda dizer que gostou.
-Bondade sua, Ivan. Prosa bissexta é brinquedo perigoso demais para mim.
Glenan Trant Campos, contemporâneo, porém jovem, corrige: Rafael, do time da Primeira-C, seria o Domingues, e não o Ienaco, como fiz constar.
-Falha nossa, Glenan. Rafael Ienaco, seu estimado sogro, na ocasião, seria do Master.
Fui falar de uma Diva do cinema e provoquei o Nilton Bastos Lima, nosso astro do vôlei, nos anos 50. Pelo telefone, Nilton relembra o mon amour! da Jeanne Moreau, mas pondera que “nunca houve uma mulher como Gilda”, donde, para ele, Rita Hayworth ser soberana.
-Certo, Nilton. Da cabeças de nossa geração romântica o vento não levou, também, a suavidade da Vivien Leigh. Mas Les Amants, película concebida para uma única cena, foi um filme dos diabos para o público da época.
Parabéns agradecidos devemos dar a José Antonio Almeida e sua equipe do Jornal. Tão bom tem saído o REENCONTRO, em composição e revisão, que mesmo o nosso poeta maior, Prof. Barcellos, não correria os riscos que sempre abominou. Mestre Barcellos ficava fulo quando a Gazeta publicava seus sonetos com erros de revisão. Houve fase na Gazeta em que os articulistas tinham que engolir até sapato com c-cedilha.
Na verdade, fazer jornal no interior é desafio para heróis. Precisamos apoiar, ajudar nosso amigo Zé Antonio a catar esses ovos. No bom sentido, claro. Do contrário um lindo ideal de congraçamento resvala para o... Buraco! (Às vezes penso muito nas mães de quem inventava nossos apelidos)
Falando da revisão, anoto o “s” dobrado com que, no artigo anterior, ela me acudiu na palavra pasarán. Roporto-me à Sala-1, o Prof. Pedro da Cruz Pereira introduzindo-nos no idioma de Cervantes:
- Em espanhol não se dobra o “s”!
(Em espanhol, de fato, não existe a consoante fricativa sonora “z”, pelo que, o “s” entre vogais é sempre lido como consoante surda, “s”)
Como nos velhos tempos, tento imitar o Pedro Cruz caprichando na pronúncia do poema Caperucita Roja, Chapeuzinho Vermelho para os íntimos:
-Caperucita no regresó, dicen que um lobo se la comió...
Conservo, daquelas aulas, um mágico fascínio pelas aventuras do Ingenioso Hidalgo, Dom Quixote, e um cacoete meio cretino (Apud, Joaquim Guedes Machado) de achar graça no acento castelhano.
Delicio-me com frase em espanhol, desde o tempo em que nos foi adotada, creio que pela Da. Judith (quanta paciência e bondade, meu Deus!), certa antologia onde li uma crônica de João Saldanha descrevendo julgamento sumário a que foram submetidos os jogadores do Botafogo, do Rio, após um amistoso na Costa Rica.
Houve um tremendo sururu em campo, pancadaria entre os pupilos de Paulo Amaral (técnico saradão do alvinegro) e os craques locais, de um time chamado Sarprisa (por supuesto que olvidaran la pelota!)
O Juiz de Direito, um cucaracha chapliniano, mais para Cantinflas do que para Spencer Tracy (remember Julgamento em Nuremberg) presidia o juri sem tirar o olho de uma galinha choca, acomodada sobre seus ovos debaixo da mesa de audiências. A cada pé que se movia a neurótica carijó piava suas ameaças...
Lá pelas tantas, el señor Juez pede tempo, acocora-se sob a mesa, ergue-se abraçado ao balaio contendo a maternal poedeira, coloca-o na soleira da janela e declara aos presentes:
- A la galina lê gusta el sol...
O ilustre ex-aluno, grande amigo, Dr. Wander José Neder, conserva essa crônica do Saldanha em sua biblioteca de advogado e historiador. É ele quem me lembra o comentário complacente do juiz ao proferir absolvição geral aos envolvidos:
- Esos de lo Sarprisa!...Não me perguntem onde está a graça.
Com o bom Pedro Cruz estudamos, no Clássico, além do Espanhol, História da América, História Geral, e, se não me engano, Prefixos Gregos.
Nada a ver com prefixos musicais, muito em voga na época. Na Rádio Leopoldina havia um solo de trompete da Cerejeira Rosa, servindo de prefixo ao programa do meio-dia:
-Nhá-nhá-nhááááááááá´....
Acertavam-se os ponteiros em Piacatuba: Meio Dia!
Problema de audiência tinha o programa Almoço Musicado, patrocínio da Creolina Pearson. Com a sutileza das rebatidas do zagueiro Barão, do RJ, nossos comunicadores diziam às famílias, supostamente à mesa do almoço, da prodigiosa eficácia do fármaco quando aplicado na... bicheira do gado.
- Hora da comida é hora de falar nisto, ô meu!
Já deu para perceber que, atento a tantas tolices extracurriculares, eu seria aluno apenas mediano. Não totalmente avesso a estudo, mas de uma tranqüilidade temerária, meio equivocada, talvez, com as noções de verso livre e verso branco, das aulas do Prof. Moura.
Nas ciências exatas, buscava socorro na casa do Geraldo Hélio Coelho, o Pastel, aluno brilhante, cadernos organizados, sempre empenhado nos estudos. Trocávamos idéias: ele no prejuízo, sempre. (Geraldo, de Valadares, é hoje professor numa Faculdade de Farmácia, de Belo Horizonte)
Recordo-me que, numa véspera de prova oral, Geraldo me passou todos os segredos da Química Orgânica. Tão íntimo fiquei da família benzeno, que o Barcelão teve que me dar nota oito... Ali na frente, de pé, na lousa!
Inicialmente incrédulo do meu desempenho ao quadro, expulsou as meninas da primeira fila, suspeitas de estarem soprando cola...
Só bem adiante, convencido de meu preparo, comentou com o outro professor da banca, o Roberto Lustosa:
- É, o banana está reagindo!...
Com isto, parei de cumprimentar o Barcellos. Pouco tempo depois, vinha ele descendo a Cotegipe no seu trote característico, com vários livros presos na axila esquerda, e cruzamos caminho em frente ao Bar do Sr. Orlando. Passei direto, olhando para o outro lado.
O Barcellos estacou caminhada, virou-se para trás, e gritou:
- Não custa dizer bom-dia, não é seu banana!...
Reatamos. Barcellos foi minha maior influência de mestre. Acho que sempre tentei imitá-lo.
Banana – que o Barcelão usava como puxão de orelha quando queria danar com algum aluno – lembra Banana´s Republics, de onde eram importados os ritmos que a gente dançava, com bafo de Rum, nos bailes do Clube Leopoldina, ao toque da Tabajara do Severino Araújo, do Quinteto Rex, do Waldir Calmon, do Conjunto do Ed Lincoln, do Steve Bernard, e, claro, da Leopoldina Orquestra.
Uma vez tivemos a Orquestra de Ruy Rey, regendo mambos e mentalizando, na virilha, aqueles golpes baixos:
-Úúúúú !
Desde o Ginásio, quando brinquei de locutor na ZYK-5, Rádio Sociedade Leopoldina, passei a gostar de música. Ouvia, na rádio, aqueles discos velhíssimos, 78 rotações, que a gente assoprava para tirar a poeira, antes de colocar no prato, e dizer:
- Os senhores ouvirão agora...
E as ondas hertzianas saíam pelos pastos à procura de ouvidos absolutos capazes de separar música de ruídos estáticos: rrrrr, rrrrr, rrrrr...
No Clube Leopoldina, sempre a Leopoldina Orquestra!" Quem viveu ouviu o trompete do Noé, do Tuíu, do Sansão; o Sax do Argemiro, do Candinho, do Castrogildo; o trombone do Horácio; a bateria do Ulisses, do Miséria, do Biscoito; o ritmo do Ponté; o baixo do Prof. Manoel Monteiro, o Manoel Reco-Reco; o teclado do Luiz Reis; o Acordeão do Ed, do Vanir; o violão do Bem-Bem; do Cocó e do Bianor.
Tinha o crooner Osmair de Paula, vidrado em Nelson Gonçalves e, depois, a vocalista Zezé, que cantava e encantava, principalmente quando o recado vinha num esquecido samba-canção que dizia: “Espere um pouco mais...”
Ora, direis, brega/piegas! Até onde sinto e empiricamente entendo, nem tanto. Apenas um indefinível desígnio de interação com os pintores e tintas que nos coloriram a alma no melhor pedaço de nossas vidas. Goethe devia estar pensando nisto ao encontrar, no conteúdo poético o conteúdo da própria vida.
No que muito particularmente me toca, um forte apelo interior de acotovelar-me à janela deste jornalzinho REENCONTRO, acenar aos meninos e meninas do meu tempo e ouvir com eles o ceguinho Stevie Wonder, na canção deliciosa dizer:
-I just called to say, I love you... (Eu liguei apenas para dizer que te amo...)
Deodato, Hudson, Paulo Guido e meu fraternal amigo Chiquinho Gama, sabem das coisas. Perguntem a eles se não é por aí.
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(Publicado no Jornal Reencontro, dos ex-alunos do Colégio Leopoldinense)
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