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Fevereiro, 2011
Estive pensando nos poucos problemas que, felizmente, tenho enfrentado com minha idade. Claro que devo agradecer a Deus haver-me poupado do irremediável, de algum troço maluco, sem solução. No que toca, porém, aos desgastes naturais do tempo, vem dando para manter a peteca no ar. Cuido da fuselagem (terminologia de avião, percebem?) nos prazos do manual, removo componentes com defeito e vida que segue. Cirurgias, já umas cinco.
Anos cobram menos de quem se cuida. O teólogo inglês, William Ward, disse que existem os que se queixam dos ventos, os que esperam que ele mude e os que ajustam as velas. É por aí. Hay que adaptarse, compadre! O que posso, posso; o que não devo, não posso.
Com isto e, claro, com a sorte de não descer sobre nossa cabeça a tal Espada de Dâmocles, a gente vai levando o calendário na conversa. Um tanto mais complicado é convencer disto os que nos rodeiam. As pessoas sempre esperam que a gente goste de coisas compatíveis com nossa idade documental. Nem dão bola para a sofrida construção a que chamo “minha idade presumível”.
Este mês, por exemplo, já senti sondagens sobre o que desejaria ganhar em março, como presente pelos meus setenta e três anos... Chato dizer que não quero ganhar nada. É passar recibo de velhice, de sujeito que já perdeu o fair-play, a alegria pela vida.
- Perdeu até o prazer de abrir um presente - dirão.
Bolas, nunca me amarrei em abrir presente.
Pra não decepcionar vou acabar inventando uma coisa “que me esteja fazendo muita falta”. O que seria? Dinheiro, pega mal. Na verdade, tudo que um ser humano maduro (não disse velho, tá!), na minha atual “idade presumida” pode desejar, ou ele já tem ou encontra numa loja de 1,99: DVD regravável, pen drive, resma de papel A4, caneta, lápis, marcador de texto, óculos/leitura de comprar sem receita...
Livro? Pra falar a verdade, ando tão fiel ao computador que a leitura do que chega pela rede me satisfaz plenamente. Sou leitor de monitor. Livro até que é bom pra ler deitado, mas me doem os braços e não tenho como aumentar o tamanho da fonte - baita conforto.
Pensando melhor, vou soltar uma dica que preciso camiseta regata. Todos sabem que gosto. Se alguém dedar que tenho muitas, eu digo que da cor mostarda nunca tive. É a única chance de pararem de me entupir de pijamas e chinelos.
Culpa do governo, viu! Dos burocratas do governo. Estabelecem regras e convenções declarando que a gente é velho, antes da velhice chegar, e as pessoas acreditam. Vejam que absurdo o IBGE declarar que brasileiro com 60 anos é velho! Será que eles não vêem que nossas mulheres contratam caríssimos cirurgiões plásticos para que eles apenas “confirmem” nelas suas “idades presumíveis”, ou seja, a idade que elas sentem possuir e que, por direito natural, devem ostentar?
Não pode o IBGE, com sua infundada fixação nos 60 anos, fazer tábula rasa do direito inalienável que tem a mulher brasileira de igualar, por fora, a idade que interiormente pulsa em sua alma. Onde é que estamos!
Será que o IBGE não tem sensibilidade pra ver que, igualmente, os homens sexagenários e septuagenários colocam ponte de safena e usam sildenafil no legítimo e constitucional direito de também dar contornos externos ao garotão que lhes palpita ao tórax e curte jogar vôlei de duplas com a rapaziada da praia?
Pra lá o IBGE com estatísticas furadas! Enquanto isto nós, os setentões e setentonas que eles chamam de velhos – ou seja, 10% da população brasileira - seguimos sacaneando a atuária do INSS com nossas gloriosas sobrevidas beirando a tempo de contribuição... Sem falar no ônibus de graça e no direito de furar fila em banco.
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(Publicado em 10.02.2011 em http://oglobo.globo.com/pais/noblat/mariahelena/)
Fevereiro, 2011
Estive pensando nos poucos problemas que, felizmente, tenho enfrentado com minha idade. Claro que devo agradecer a Deus haver-me poupado do irremediável, de algum troço maluco, sem solução. No que toca, porém, aos desgastes naturais do tempo, vem dando para manter a peteca no ar. Cuido da fuselagem (terminologia de avião, percebem?) nos prazos do manual, removo componentes com defeito e vida que segue. Cirurgias, já umas cinco.
Anos cobram menos de quem se cuida. O teólogo inglês, William Ward, disse que existem os que se queixam dos ventos, os que esperam que ele mude e os que ajustam as velas. É por aí. Hay que adaptarse, compadre! O que posso, posso; o que não devo, não posso.
Com isto e, claro, com a sorte de não descer sobre nossa cabeça a tal Espada de Dâmocles, a gente vai levando o calendário na conversa. Um tanto mais complicado é convencer disto os que nos rodeiam. As pessoas sempre esperam que a gente goste de coisas compatíveis com nossa idade documental. Nem dão bola para a sofrida construção a que chamo “minha idade presumível”.
Este mês, por exemplo, já senti sondagens sobre o que desejaria ganhar em março, como presente pelos meus setenta e três anos... Chato dizer que não quero ganhar nada. É passar recibo de velhice, de sujeito que já perdeu o fair-play, a alegria pela vida.
- Perdeu até o prazer de abrir um presente - dirão.
Bolas, nunca me amarrei em abrir presente.
Pra não decepcionar vou acabar inventando uma coisa “que me esteja fazendo muita falta”. O que seria? Dinheiro, pega mal. Na verdade, tudo que um ser humano maduro (não disse velho, tá!), na minha atual “idade presumida” pode desejar, ou ele já tem ou encontra numa loja de 1,99: DVD regravável, pen drive, resma de papel A4, caneta, lápis, marcador de texto, óculos/leitura de comprar sem receita...
Livro? Pra falar a verdade, ando tão fiel ao computador que a leitura do que chega pela rede me satisfaz plenamente. Sou leitor de monitor. Livro até que é bom pra ler deitado, mas me doem os braços e não tenho como aumentar o tamanho da fonte - baita conforto.
Pensando melhor, vou soltar uma dica que preciso camiseta regata. Todos sabem que gosto. Se alguém dedar que tenho muitas, eu digo que da cor mostarda nunca tive. É a única chance de pararem de me entupir de pijamas e chinelos.
Culpa do governo, viu! Dos burocratas do governo. Estabelecem regras e convenções declarando que a gente é velho, antes da velhice chegar, e as pessoas acreditam. Vejam que absurdo o IBGE declarar que brasileiro com 60 anos é velho! Será que eles não vêem que nossas mulheres contratam caríssimos cirurgiões plásticos para que eles apenas “confirmem” nelas suas “idades presumíveis”, ou seja, a idade que elas sentem possuir e que, por direito natural, devem ostentar?
Não pode o IBGE, com sua infundada fixação nos 60 anos, fazer tábula rasa do direito inalienável que tem a mulher brasileira de igualar, por fora, a idade que interiormente pulsa em sua alma. Onde é que estamos!
Será que o IBGE não tem sensibilidade pra ver que, igualmente, os homens sexagenários e septuagenários colocam ponte de safena e usam sildenafil no legítimo e constitucional direito de também dar contornos externos ao garotão que lhes palpita ao tórax e curte jogar vôlei de duplas com a rapaziada da praia?
Pra lá o IBGE com estatísticas furadas! Enquanto isto nós, os setentões e setentonas que eles chamam de velhos – ou seja, 10% da população brasileira - seguimos sacaneando a atuária do INSS com nossas gloriosas sobrevidas beirando a tempo de contribuição... Sem falar no ônibus de graça e no direito de furar fila em banco.
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(Publicado em 10.02.2011 em http://oglobo.globo.com/pais/noblat/mariahelena/)
nunca imaginei! camiseta regata? Parabéns! só confirmou minha suspeita: vc é jovem mesmo!!!
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