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O
mundo moderno perdeu o privilégio do silêncio. Desde que a sociedade industrial
implantou a barafunda das máquinas com suas engrenagens e descargas, o
pandemônio urbano só vem crescendo.
Não faz muito, porém, os jornais da TV nos deram conta de que há novidade na Ásia. No avançadíssimo Japão o silêncio urbano começou a causar problemas!
Vejam só, carros movidos a eletricidade, em progressiva substituição aos movidos por ruidosos motores a explosão, começam a ser vistos como ameaça de atropelamento para pessoas distraídas, deficientes auditivas ou visuais, com dificuldade para perceber sua aproximação.
O paradoxal é que a solução cogitada estaria num equipamento eletrônico, “inteligente”, destinado a produzir barulho quando percebe que há ser humano por perto... Ou seja, um ruído artificial é instado a substituir o ruído natural que o progresso buscou afastar.
No Japão, os motoristas quase não buzinam. Não se ouvindo também sirenes, já que os policiais se deslocam de bicicleta. “O único barulho insuportável por lá, vem da natureza: o canto das cigarras que infestam as árvores no verão”– explica o repórter da TV.
Na verdade, por aqui também se buzina cada vez menos e as cigarras, seresteiras de fim de ano, cantam até rachar aquele canto ambíguo das cigarras – melancólico, para quem está triste; festivo, para quem está feliz.
Já as sirenes da polícia e das ambulâncias, continuam chatinhas ao pedir caminho. Não tanto, claro, para quem pediu socorro às primeiras ou está enfartado dentro das segundas.
A impressão é que não se vive muito diferente aqui e no outro lado do mundo. E isto é bom. Mesmo que assim não entendam os fundamentalistas retrógrados, que veem na comunicabilidade dos costumes uma razão para ódio e terror.
Claro que ainda podemos progredir, abolindo hábitos indesejáveis como dar aquela buzinadinha, ou acelerar fundo, para avisar que o sinal abriu. E, se não for pedir muito, quem sabe alguma colaboração dos frequentadores de botecos, situados em área residencial, diminuindo a zoada com bateção de caixa, à noite?
A bronca é livre. Mas quem diz que não vai dar saudade quando acabar? Ou, até, trazer problemas, como no Japão? Não deixa de ser contraditório admitir que o pandemônio das cidades possa, em certos casos, exigir moderação em seu corte.
A
gente mal percebe o quanto já se acostumou a tudo isto.
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(Publicada a 02.09.2010 em http://oglobo.globo.com/pais/noblat/mariahelena/)
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