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Setembro, 2010
É mesmo, amigo? Cansado de morar num grande centro? Violência, arrastões, engarrafamentos, pouca comunicabilidade entre as pessoas, custo de vida alto... Tem razão. Aliás, você sempre alimentou aquele sonho antigo de um dia voltar para sua terra, não é verdade? Reciclar antigas amizades, assuntar aquela arquitetura bonita do colégio onde você estudou e, quem sabe, até dar um pouco de si à província, à sua gente. Não é isto?
Pois bem, a hora é boa. Aposentado, com a vidinha nos trilhos, não vai querer ficar aí na metrópole jogando damas com a terceira idade na pracinha do bairro, vai? Nada disto! Sua terrinha está de braços abertos. É uma tranquilidade que só vendo! Você vai ganhar “anos” de vida lá na frente. E olha que, em nossa faixa etária, o “lá na frente” está cada vez menos “lá”...
Aqui no interior você anda tranquilamente pelas ruas com calças folgadas, bolsos largos, sem nenhum risco de virar “otário de trombadinha”. E não pisa em cocô de cachorro. Pouquíssimas pessoas levam totó pra passear na rua porque as casas têm quintais e os poucos moradores de apartamento - opção da alta classe média - costumam ter sítios onde os cães vivem soltos.
Venha pro mato, ô cara. Ar puro, noites calmas, plenilúnio! Temos noites, amigo, de céu tão limpo - mas tão limpo! - que o planeta vênus fica quase do tamanho da lua. Um pescador me disse que certa noite o viu duas vezes maior que a lua... Maravilha das maravilhas! E a constelação do Escorpião! Alguma vez, na cidade grande, você já viu a beleza que é a constelação do Escorpião, quase palpável, mística, pouco acima da sua cabeça?
Temos tudo no interior. Internet banda larga, TV a cabo, transporte rápido e confortável pra todo lado. Escute esta: Aqui no interior de Minas, a mais de duzentos quilômetros do Rio de Janeiro, tenho um vizinho que é comandante de Boeing. Faz o voo, Los Angeles - Tókio! Quando ele atravessa o Pacífico para lá e volta para cá, soma tantas horas de vôo que “é obrigado”, por lei, a ficar em casa uns vinte dias sem voar... Resultado: é nosso tecladista numa banda de Rock.
Não é que o interior também não tenha lá seus probleminhas. Ah, isso tem. Nada é perfeito, não é mesmo? Ao chegar aqui, vão insistir demais para você entrar para o Rotary, para o Lions ou para a Maçonaria. Será uma noite a menos na sua semana, mas uma boa oportunidade para você ser útil à comunidade e ainda conhecer pessoas interessantes.
Outro probleminha é o hábito interiorano do almoço às onze da manhã. Fecha tudo! Essa fome matinal dos conterrâneos faz com que nós, aposentados que temos “muito sono de manhã”, só tenhamos a parte da tarde disponível para ir ao comércio. Mas quem disse que viver “meio expediente” é ruim? É nada.
Agora, coisa muito chata é ver nossa idade estampada no rosto dos colegas. Acostumados com nossa imagem no espelho, mal viemos dando conta do estrago. A cara atual dos amigos da adolescência nos devolve essa incômoda realidade. Fazer o quê? É a vida.
Ah, sim! Por falar em vida, previna-se. A vida no interior é pródiga em velórios. Sabe como é, né, terra natal, todo mundo se conhece... Não há uma única semana sem o “passamento” de alguém.
Em minha cidade o cemitério fica numa colina visível de vários pontos. Olhou para lá, carros no estacionamento, não dá outra... Noventa por cento de chance de ser gente conhecida. Cadê meus óculos escuros?
Uma encrenca a mais é o “precinho” das coisas... No interior, preço é para ser discutido. No início pensei que fosse sovinice, pão-durismo. Depois me convenci de que é falta de assunto, mesmo. Ninguém diz: isto custa tanto. Preferem a fórmula: “Pra você, vou fazer por tanto”... Tudo bem, se ficasse por aí. Mas não fica porque há uma convenção não escrita segundo a qual aí deve começar a pechincha. Cuidado, pois, se estiver sem tempo ou sem saco para discutir preço: vão considerar você um “nouveau riche”, soberbo e exibicionista. Bata o pé. Diga que está caro! Peça “diferença”.
Ah, ia me esquecendo. Evite soberba quando for pagar com cheque. Peça ao comerciante para depositá-lo dois ou três meses à frente. É da praxe. Mais uma forma velada de demonstrar humildade, modéstia.
Mas não se assuste. Em pouco tempo é você que estará amarrado nessa vidinha. Imagine que, há dias, viajando ao Rio de Janeiro observei do alto de Teresópolis uma densa nuvem de gases e fuligem cobrindo toda a baixada fluminense e a Cidade Maravilhosa. Apenas o Cristo Redentor flutuava do Corcovado sobre o enorme lençol de névoa cinza. Pensei: - Meu Deus, o que vou eu fazer debaixo daquela estufa! A vontade era voltar, mas já estava embicado serra abaixo e, como dizem, "para baixo todo santo ajuda".
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Publ. em 30.09.2010, em http://oglobo.globo.com/pais/noblat/mariahelena/
Setembro, 2010
É mesmo, amigo? Cansado de morar num grande centro? Violência, arrastões, engarrafamentos, pouca comunicabilidade entre as pessoas, custo de vida alto... Tem razão. Aliás, você sempre alimentou aquele sonho antigo de um dia voltar para sua terra, não é verdade? Reciclar antigas amizades, assuntar aquela arquitetura bonita do colégio onde você estudou e, quem sabe, até dar um pouco de si à província, à sua gente. Não é isto?
Pois bem, a hora é boa. Aposentado, com a vidinha nos trilhos, não vai querer ficar aí na metrópole jogando damas com a terceira idade na pracinha do bairro, vai? Nada disto! Sua terrinha está de braços abertos. É uma tranquilidade que só vendo! Você vai ganhar “anos” de vida lá na frente. E olha que, em nossa faixa etária, o “lá na frente” está cada vez menos “lá”...
Aqui no interior você anda tranquilamente pelas ruas com calças folgadas, bolsos largos, sem nenhum risco de virar “otário de trombadinha”. E não pisa em cocô de cachorro. Pouquíssimas pessoas levam totó pra passear na rua porque as casas têm quintais e os poucos moradores de apartamento - opção da alta classe média - costumam ter sítios onde os cães vivem soltos.
Venha pro mato, ô cara. Ar puro, noites calmas, plenilúnio! Temos noites, amigo, de céu tão limpo - mas tão limpo! - que o planeta vênus fica quase do tamanho da lua. Um pescador me disse que certa noite o viu duas vezes maior que a lua... Maravilha das maravilhas! E a constelação do Escorpião! Alguma vez, na cidade grande, você já viu a beleza que é a constelação do Escorpião, quase palpável, mística, pouco acima da sua cabeça?
Temos tudo no interior. Internet banda larga, TV a cabo, transporte rápido e confortável pra todo lado. Escute esta: Aqui no interior de Minas, a mais de duzentos quilômetros do Rio de Janeiro, tenho um vizinho que é comandante de Boeing. Faz o voo, Los Angeles - Tókio! Quando ele atravessa o Pacífico para lá e volta para cá, soma tantas horas de vôo que “é obrigado”, por lei, a ficar em casa uns vinte dias sem voar... Resultado: é nosso tecladista numa banda de Rock.
Não é que o interior também não tenha lá seus probleminhas. Ah, isso tem. Nada é perfeito, não é mesmo? Ao chegar aqui, vão insistir demais para você entrar para o Rotary, para o Lions ou para a Maçonaria. Será uma noite a menos na sua semana, mas uma boa oportunidade para você ser útil à comunidade e ainda conhecer pessoas interessantes.
Outro probleminha é o hábito interiorano do almoço às onze da manhã. Fecha tudo! Essa fome matinal dos conterrâneos faz com que nós, aposentados que temos “muito sono de manhã”, só tenhamos a parte da tarde disponível para ir ao comércio. Mas quem disse que viver “meio expediente” é ruim? É nada.
Agora, coisa muito chata é ver nossa idade estampada no rosto dos colegas. Acostumados com nossa imagem no espelho, mal viemos dando conta do estrago. A cara atual dos amigos da adolescência nos devolve essa incômoda realidade. Fazer o quê? É a vida.
Ah, sim! Por falar em vida, previna-se. A vida no interior é pródiga em velórios. Sabe como é, né, terra natal, todo mundo se conhece... Não há uma única semana sem o “passamento” de alguém.
Em minha cidade o cemitério fica numa colina visível de vários pontos. Olhou para lá, carros no estacionamento, não dá outra... Noventa por cento de chance de ser gente conhecida. Cadê meus óculos escuros?
Uma encrenca a mais é o “precinho” das coisas... No interior, preço é para ser discutido. No início pensei que fosse sovinice, pão-durismo. Depois me convenci de que é falta de assunto, mesmo. Ninguém diz: isto custa tanto. Preferem a fórmula: “Pra você, vou fazer por tanto”... Tudo bem, se ficasse por aí. Mas não fica porque há uma convenção não escrita segundo a qual aí deve começar a pechincha. Cuidado, pois, se estiver sem tempo ou sem saco para discutir preço: vão considerar você um “nouveau riche”, soberbo e exibicionista. Bata o pé. Diga que está caro! Peça “diferença”.
Ah, ia me esquecendo. Evite soberba quando for pagar com cheque. Peça ao comerciante para depositá-lo dois ou três meses à frente. É da praxe. Mais uma forma velada de demonstrar humildade, modéstia.
Mas não se assuste. Em pouco tempo é você que estará amarrado nessa vidinha. Imagine que, há dias, viajando ao Rio de Janeiro observei do alto de Teresópolis uma densa nuvem de gases e fuligem cobrindo toda a baixada fluminense e a Cidade Maravilhosa. Apenas o Cristo Redentor flutuava do Corcovado sobre o enorme lençol de névoa cinza. Pensei: - Meu Deus, o que vou eu fazer debaixo daquela estufa! A vontade era voltar, mas já estava embicado serra abaixo e, como dizem, "para baixo todo santo ajuda".
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Publ. em 30.09.2010, em http://oglobo.globo.com/pais/noblat/mariahelena/
Adorei o texto. É essa exatamente a minha busca. Um lugar tranquilo pra viver na aposentadoria, que chegará brevemente. Mas que cidade extatamenté é essa da postagem? Gostaria muito de conhecer.
ResponderExcluirE parabéns pelos seus textos, são ótimos.
Dácio Moreira Carvalho
daciomoreiracarvalho@gmail.com
http://daciomoreira.blogspot.com
Obrigado, Dácio.
ResponderExcluirO texto foi escrito com inspiração na vida de Leopoldina, MG, e Miguel Pereira, RJ.
Mas tem, por aí, muita cidade gostosa para se viver.
É "medir bem o pulo" para não errar quando chegar a hora...