Dezembro, 2006
Preocupa o quadro mórbido-depressivo do cidadão J. Fastídio. Justo
ele que jamais havia denotado nó psicopático hereditário a demandar
alienísticos, contenção ou eletrochoque!
De verdade, os incômodos que lhe mortificam o espírito seriam
entulhos do quotidiano de quem simplesmente está vivo quando, com toda razão,
preferiria estar morto. Viver no mundo de hoje parece ser o grande problema do potencial
suicida.
É certo que o vereador/médico que o assiste em consultas pelo
SUS, ou seja, sem colocar o ouvido nas costas dele e mandar dizer "trinta
e três", não cansa de diagnosticar-lhe piti. O “dado concreto”, porém, para usar
expressão erudita de conhecido filósofo do ABC paulista, é que J. Fastídio anda
de saco cheio com a própria existência e deseja passar para o lado de lá.
Morrer. Regressar ao éter da vastidão sideral, num salto espetacular pelas
laterais do planeta.
No toalete de rodoviária onde talvez rabisque seu derradeiro
bilhete, haverá de declarar-se rompido com os estorvos da vida civilizada que
tanto lhe molestam a existência:
Fundo musical de vídeo game; música baiana; ligações de telemarketing; novela das sete, com atores sem
camisa; cocô de cachorro na praia e na rua; favor concedido a quem não larga
mais do seu pé; check in feito uma hora antes do atraso de quatro horas nos aeroportos;
empurrômetro de Seguro na gerência dos Bancos; processo judicial pra receber
sinistro das Seguradoras; controle de araque, da Anatel, sobre as empresas de
telefonia; saber que todas essas Agências Controladoras não passam de
autarquias de caracacá mantidas pelas próprias empresas controladas;
reportagens fotográficas da Revista Caras; anuidades de Conselhos Regionais
disto e daquilo, na verdade sinecuras malandras sem nenhuma atuação prática em
favor das pessoas e das empresas das quais vivem a extorquir anuidades; voto vendido
por eleitor semi-analfa; ética de empreiteiras; DNA de 80% dos brasileiros,
portadores da sina atávica da corrupção e do furto (quem achar alto o
percentual, esqueça por cinco minutos qualquer objeto na soleira de uma janela
baixa); falta de profissionalismo e de respeito no atendimento ao contribuinte
em balcões de órgãos públicos; morosidade da justiça; arrogância de quem se
supõe superior; moscas ou cheiro de barata no restaurante eleito para o almoço
do domingo; gente que não consegue ficar calada, vertendo perdigotos sobre a
comida no self service; horário político na TV; habeas corpus para bandido de colarinho branco;
pilantra mau-pagador requerendo danos morais em juizado especial contra quem
simplesmente lhe cobrou uma dívida; povão andando acintosamente na frente dos
carros no intento de descolar uma invalidez permanente; correntes, enviadas por
carta ou por e-mail com ameaça de castigo divino; pedidos de colaboração para obra
caritativa lá no raio-que-os-parta; notícia de recrudescimento do conflito no
Oriente Médio; notícia de novo escândalo político e nome da correspondente
operação da Polícia Federal; promessa de rigoroso inquérito; vinhetas do
próximo Big Brother; locutor de microfone à mão, com voz pastosa, anunciando produtos
na porta de loja comercial; ouvir comerciante dizer que “vai ficar te devendo”
o que você foi comprar e ele não tem...
Não sei se suicídio resolve. A informação que tenho é que J.
Fastídio está decidido a morrer por todos nós.
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(Publicada no jornal LEOPOLDINENSE de 15 dezembro de 2006)
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