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Dezembro, 1965
Nasci à beira de um rio de águas vagarosas, ao qual chamavam Rio Pardo. No pequeno vale contíguo à planície denominada Vargem Linda, no sopé da encosta, meu pai construiu, com suas próprias mãos, sobre esteios de braúnas centenárias, nossa casa, simples, mas tão extraordinariamente bela e agradável que os anos ali vividos nós os guardaríamos na memória como um tempo submerso no azul de um céu muito limpo e pródigo nas mais preciosas dádivas da natureza.
Vargem Linda não chegava a ser grande. Uma pequena chácara de alqueire e meio, como sempre ouvi dizer. Dela, meu pai extraia o sustento da família com pequenas culturas de arroz, feijão e milho.
Tínhamos também uma vaca muito bonita e grande, chamada Princesa, de pelo queimado, brilhante, chifres altos cor de grafite, que nos brindava todas as manhãs, a meus três irmãos e a mim, com o leite forte de suas virtudes zebuínas. Meu pai possuía um cavalinho castanho, o Guarany, que o levava a trote por toda a parte.
Professora rural do lugar, minha mãe, Da. Pequetita, ensinava às crianças pobres a ler e a escrever. No início da década de 1940 a região da Vargem Linda era muito pobre de recursos e as pessoas muito simples. Todos trabalhavam na lavoura e eram poucos os que sabiam assinar o nome. Nem mesmo os proprietários das terras, em sua maioria, puderam frequentar escolas primárias. O mundo civilizado devia parecer distante, quase inalcançável para eles.
Minha mãe tornou-se particularmente estimada de toda a população por ser mestra dedicada, exigente e muito cuidadosa do aprendizado e da saúde de seus pequeninos alunos. Era um tempo em que a simples e elementar ideia de alfabetizar as crianças contava com poucos adeptos. Os menores eram úteis na ajuda aos pais na lavoura, atividade compreensivelmente prioritária, pois representava em muitos casos a própria sobrevivência.
Importantíssimo, portanto, que as professoras se dirigissem às residências e, lá, convencessem os adultos da relevância do aprendizado, da necessidade de equacionar o problema e alfabetizar os filhos. Para os meninos e meninas que não podiam comprar cadernos, minha mãe costumava fazer, com linha de costurar e papel de embrulhar pão, os cadernos com que pudessem anotar as aulas.
Tal como se descreve no início da criação, Deus há de ter visto que tudo aquilo era muito bom, pois parece ter inundado de bênçãos nossas vidas e determinado que, ao final, tudo viesse ter à trégua e à paz.
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segunda-feira, 20 de fevereiro de 2012
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Lindo,sublime tudo o que você escreveu,ou melhor,viveu....Só quem nos mesmos moldes foi criado pode entender toda a poesia contida nestas poucas linhas. Elas dizem muito para mim.
ResponderExcluirGrande abraço Zé
Maria José Baía Meneghite
Agradecido, Zezé. Você é escritora; escritores têm a alma à flor da pele.
ResponderExcluirLendo o seu texto, procurei visualizar a Vargem Linda. E que lugar lindo! Que pai amoroso e mãe dedicada! Que casa encantada de beleza e paz!
ResponderExcluirParabéns, meu amigo!
Grande abraço