Abril, 2010
Sexo era a coisa mais importante
na vida do Medanha. Acima de tudo o tema principal, senão único, de suas
conversas. No trabalho, nas festas, no chopp diário do boteco do Sô Manoel, sua
“pièce de résistance” era a conquista de mulheres e, consequência seguinte, seu
vigoroso desempenho ao tálamo (Perdão amigos, por este “tálamo”. Não custava
dizer “na cama”, mas desempenho ao tálamo não é um primor de retórica
erótica?).
Medanha sempre se quis provar um
grande “performer” de alcova. Inclusive em casa. Sim, porque se era para
afirmar virilidade demolidora, a discrição devida pelo menos em relação à
esposa, também ia pro brejo. Intimidade doméstica virava tira-gosto na mesa do
boteco, para zoada geral dos pinguços. Um crianção o tal Medanha.
Pobre Jupira, a esposa! Mulher
dedicada ao lar, aos filhos, religiosa − não diria bela, mas moçona sacudida −
servindo de “escada” para piadinhas lascivas na boca de bebuns. Nisto, o
Medanha, que Deus o tenha, era meio canalha.
Imaginem que um dia o sacana
contou para nós que, na parede do quarto dele, bem sobre a cabeceira da cama de
casal, dependurara um grande retrato oval, do sogro com a sogra, para que os
velhos pudessem “testemunhar”, ali de cima, a cena conjugal da filha!
– Gosto que eles participem do
desempenho da felina − exultava depravado.
Se alguém imagina que
frivolidades do gênero enfadam com o passar do tempo, engana-se. O que é vulgar
não perde interesse nem atualidade. Medanha envelheceria no ridículo. Mesmo,
como era natural, tornando-se cada vez menos capaz do que propalava.
– Conta uma aí, Medanha. Será que
você jogou a toalha, não pega mais ninguém?
Deplorável o idoso que perde a
noção do tempo. Avançado nos 70, é claro que a máquina do Medanha já devia
estar conspirando. O olhar janota perdia frescor, a barba apresentava falhas
esquecidas pelo aparelho de barbear em mãos trêmulas... Pois nem assim o danado
parava de falar de mulher. Deixem estar que para os bons observadores os casos,
ultimamente, vinha apresentando furos reveladores do declínio.
Ora, bêbado bebe, mas não é bobo.
E boteco que se presa gosta muito mais de piada de brocha do que de garanhão.
Começaram a encurralar o Medanha. A apertar para obrigá-lo a confessar. Cansou
de se esquivar-se. Com a memória traindo cada vez mais, as contradições foram
escapando até que o Medanha concluir que o melhor seria dizer a verdade.
– Bom, pessoal, vou ser sincero:
o brinquedo não quebrou, mas passou a entortar o que dá no mesmo. Nem o tal
comprimidinho azul resolve. A coisa vem lá do “mais profundo do meu
psicológico”. Nunca na vida pensei que um dia olhar para mulher com o mesmo
desinteresse que olho para homem. Pois ando assim. Mulher ficou monótono. Enjoativo
quase seria a palavra.
Não sei se é compensação, que
diabo seja, mas eu passei a me aborrecer com a presença de mulher. Virei
apóstata da feminilidade. Para mim, mulher deixou de existir. Como disse John
Lennon: o sonho acabou. Abjuro-as. Não olho para mulher, não falo com mulher.
Que desça sobre todas elas o meteorito que proscreveu os dinossauros.
– Que discurso mais besta,
Medanha. Se não servem pra ti, deixa pros outros, ô cara! Antes tu não gostavas
delas?
– É que eu estou muito puto. Você
tem uma ideia do que é, de repente, o sujeito deixar de ser homem? Se eu fosse
gay, tudo bem; ia procurar minha turma. Mas, não, eu nasci homem. É como homem
que a minha cabeça funciona.
– Aliás, vim aqui hoje pedir um
favor a vocês. Ouçam. Vocês sempre foram meus amigos, companheiros diletos de
copo e de papo. Por caridade, não me neguem o que lhes vou pedir. Juntem estas
três mesas aqui, por favor. O boteco tá vazio, vamos improvisar um teatrinho.
Aqui, bem no meio do bar, as três mesinhas, uma colada na outra. Agora, com
licença. Vou me deitar em cima delas e ficar duro como um defunto. E vocês vão
rezar. Vão carpir o morto. Aliás, os mortos. Explico:
– Rezem pela anemia morteira do meu
glorioso instrumental libidinoso, que tão deleitoso me foi e se esvaiu qual
fumaça de uma derradeira bagana de cigarro mata-rato. Por bondade, não riam,
sejam bêbados piedosos. Orem pela alegria que lhes passei com minhas histórias
eróticas, pelo feliz que fui com as mulheres que tive, e também com as que não
tive, mas menti para que juntos pudéssemos transformar frouxidão etílica em sorrisos.
– Ergam uma prece à vitalidade
estiolada de minhas mucosas sem viço, às minhas glândulas inativas! Pela
felicidade que o sexo nos facultou com sua presença constante neste bar, em
pensamentos, copos e palavras.
Dito isto, Medanha cumpriu sua
parte na cena esticando-se sobre o tablado com a convicção dos obstinados e
assumiu sua melhor postura defunta. O companheiro de golo, Lauro do Achado
adiantou-se e, de mãos postas, pronunciou uma oração à sua divindade anídrica:
– Gibirita, gibiritoca,
feita de uma cana torta e moída no “engenho de vorta” que o gambá arrodeou.
O alambique é seu pai e o engenho é seu avô. Louvor ao capeta show que a
cachaça batizou.
Contemplo no fundo da
taça, cheia de amor e graça, a mulher que amei e hei de amar: CACHAÇA!
Ao que os ignaros retorquiram:
– Aaaméém! E riram, e brindaram
com pinga, e fizeram reverências, mesuras e salamaleques aos muitos mortos do
morto e, pouco depois, alguns já dormiam pelos cantos.
O elemento surpresa é da essência
do teatro. Madrugada entrante, Sô Manoel vem lá de dentro interrompendo a
pachorra da freguesia.
– Acabou a brincadeira, pessoal.
Vou fechar o bar.
Ergueram-se lentamente, mas o “morto”
continuou representando. Suspeitou-se rigidez. O bebum João Percata percebeu uma
fragrância meio ácida provinda do féretro. Manezin Cabeleira opinou pelo cheiro
de cianeto...
Ixe! É formicida sim, garantiu Abdias
Catulé.
– Pois não foi que o pândego do
Medanha desistiu mesmo de seguir vivendo sem sexo.
₪₪₪₪₪₪₪₪
(Publ. em 08.04.2010, em http://oglobo.globo.com/pais/noblat/mariahelena/)
Li seu causo no Site Lima Coelho:
ResponderExcluirhttp://www.limacoelho.jor.br/vitrine/ler.php?id=3670