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Janeiro, 2010
Um mundo pelo qual poucos se aventuram é o das florezinhas silvestres. Sempre me interessei por elas. Em meus hábitos rurais, quando ando por terrenos baldios, gramados ou por algum trecho de floresta mais afastado, sou atraído por essas pequeninas manifestações divinas no anonimato de seu rasteiro habitat.
É o mundo maravilhoso das ervas daninhas que florescem. Quase sempre flores diminutas, azuizinhas, amarelinhas, vermelhinhas. Não resisto à tentação de levá-las comigo com total cuidado para não romper-lhes as raízes, e elas parecem já saber que irão encontrar um espaço só delas no meu jardim. Tenho, sim, um berçário de plantinhas sem nome. Quando ganham estatura e força conquistam seu lugar de honra num canteiro condigno.
Com trato que elas não receberiam no abandono das florestas e dos pastos, criei meu jardim onde as flores sem eira nem beira possam provar às outras, aristocratas, que com um mínimo de apoio e dedicação de mão amiga elas também podem florir e demarcar os finos traços dos melhores paisagistas.
Acredito nesta regra. Os elementos da natureza sempre agradecem graças recebidas. O reino animal, com beleza, saúde e crias abundantes, responde ao bom trato que lhe damos. O reino vegetal, com viço e colheitas abundantes recompensa o rurícola que se esfalfa no amanho da terra. É como se prevalecesse um código de ética e gratidão entre os seres vivos, desde os animais superiores à menos seleta de uma reles erva daninha.
Eu só não contava com o enorme transtorno que me vem causando uma danadinha/daninha dessas minhas afilhadas “sem juízo”. Não faz muito tempo, passando como de costume por uma charneca de terras ácidas, descobri, humilhada e sofrida, rente à agonia de um velho tronco, certo raminho na ponta do qual pontificava uma minúscula, porém radiosa, florzinha rosa. Paixão à primeira vista.
Ajoelhei-me para melhor estar com ela, e, com extrema delicadeza, procurei removê-la de seu leito sem ofensa mínima às raízes. Acomodei-a num pouco de terra úmida contida numa folha de panacéia silvestre, fazendo-a chegar intacta a seu cantinho especial no berçário das minhas mudinhas recém-natas.
Pude observar sem repulsa a aspereza de suas pequenas folhas de pouco viço e o colorido particularmente sem brilho de suas pétalas. - O que falta a ela é bom trato, pensei.
Como ostentasse todo o aspecto de uma trepadeira leguminosa, foi o “cardápio” das leguminosas providenciado para ela. Terra fértil, úmida, um pouco de calcário, sol moderado.
Em poucas semanas a plantinha disparou para a vida. As folhas, antes diminutas, triplicaram-se em tamanho e aspereza, as hastes ganharam espinhos agressivos iguais a unhas de gato, as gavinhas pálidas e comportadas agora avançam sem limites pelas paredes, telhados e cercas divisórias, já ameaçando invadir a casa vizinha. Passou a cobrir e a sufocar outras espécies, reproduzindo-se desmedidamente através de milhares de sementes voadoras incrivelmente férteis, tangidas pelo vento.
Enfim, deu-se o caso em que a criação pareceu virar-se contra o criador. Mas não é bem assim. Toda explosão de vida, independente da intensidade com que desabrocha, é uma dádiva da criação.
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(Publicada em 07.01.2010 em http://oglobo.globo.com/pais/noblat/mariahelena/)
sexta-feira, 8 de janeiro de 2010
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