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Seria injusto com o país e, sobretudo, com seu sistema previdenciário se todo aposentado neurotizado pela insegurança dominante tirasse passaporte javanês e fosse à cata de melhores padrões no “além-mar”. Mas a convivência promíscua com facínoras nos quintos destes infernos “d’aquém”, às vezes eriça na gente pruridos de migração.
A mim, por exemplo, já não seduz o antigo prazer de viajar ao Rio de Janeiro. Não dá mais. O Rio é, seguramente, o espaço do planeta com maior percentual de celerados ao metro quadrado. Um mecânico da Lapa me jura que dois minutos são suficientes para que um simples alicate, esquecido na porta da oficina, desapareça... a qualquer hora do dia ou da noite.
Ultimamente, para ir ao Rio, muitos já não usam a Linha Vermelha. Preferem a confusão de coletivos da enrugada Av. Brasil. É o Planalto que recomenda o antigo trajeto.
Deu nos jornais que a Segurança da Presidência da República há de mister conduzir a comitiva presidencial apenas por caminhos que ofereçam opções de “escapatória”, no caso da ação organizada de bandidos. Ou seja, o presidente não trafega pela Linha Vermelha porque ela não tem retornos nem saídas, entendem?... A não ser “a nado”. E, convenhamos, nadar na lama de Ramos em direção às favelas do Complexo da Maré melhora bem pouco a sorte de um acuado.
Vivemos, portanto, num país onde a Presidência da República planeja os deslocamentos do presidente em função do crime. Crime de bandidos comuns, dos fora-da-lei.
O diabo é que não apenas a meliância informal atormenta, hoje, o brasileiro. Gatunos existem “dentro-da-lei”, praticando furto com disfarce de “subtração legal”.
Desde Roma Antiga que os exemplos ilustram. Vejam o drama de um brasileiro comum, nome, endereço e CPF:
Meses atrás, foi a Belo Horizonte a trabalho. De volta, lhe chega, via postal, multa de R$102,15 aplicada na descida da Av. Raja Gabaglia, estando ele a 71 km/h, quando a velocidade ali “permitida” é 60 km/h.... Mal refeito do susto, um dia depois, outra Notificação de segunda multa de R$102,15 referente à sua volta para casa, quando passou pela mesma avenida a 72 km/h... Tudo explicadinho na Notificação: dia, hora, local, foto do carro, velocidade permitida, velocidade medida, dados do veículo, endereço, pontos perdidos na carteira, tudo.
Ora, o carro multado é do tipo médio, com dois anos de uso, dificílimo de ser mantido a 60 km/h. Principalmente de morro a baixo, como ocorre na Raja. Característica, aliás, da média geral dos carros nacionais e importados, com comercialização permitida no país. Quanto ao local, é uma avenida de acesso à Capital, com duas pistas bem conservadas, separadas por canteiros, sendo fácil supor que se todos por ali trafegassem a 60 km/h causariam um mega engarrafamento em toda BH! Seguramente, ninguém anda a 60 km/h na Raja Gabaglia... Ninguém!
São nestas particularidades que a meu ver - e salvo melhor juízo - o oportunismo arrecadatório deixa o “bum-bum” de fora. É óbvio que os radares são posicionados em pontos estratégicos, com “ânimo de faturamento”! Está claro para todo mundo que eles se prestam ao um negócio compartilhado, de industrialização de multas de trânsito, entre poder público municipal das grandes cidades e certas empresas particulares que operam os aparelhos. Em BH, o “Consórcio Particular”, dono da engenhoca, fatura R$51,50 por multa aplicada... E nós estamos nas mãos desse pessoal!
A 11 de abril, último, a mesma “vítima” foi a Juiz de Fora. Na volta, multa de R$127,69, com fotografia e tudo, “provando” que ele transitou - como um bólido - pela Av. Brasil daquela cidade, a 72 km/h, em trecho onde a velocidade “permitida” também é 60 km/h...
A 4 de maio nosso “contribuinte forçado” vai a BH sepultar um cunhado. Colaborando com a depressão, antes da missa de 7º dia, lhe chega multa de R$102,15 constando do boleto que às 16:00h do infausto dia ele procurara cemitério, a 66 km/h, em rua macabra onde a velocidade permitida era 60 km/h...
Enterro é um susto atrás do outro. Regressando à sua cidade, no mesmo dia do funeral, foram DUAS, não UMA multa: outra Notificação explicou que às 22:48h, daquele mesmo dia 4, o radar o surpreendeu saindo de BH a 73 km/h, num trecho favelizado da periferia. Valor: R$102,15.
Em cada uma das multas acima, a anotação de 5 pontos na carteira do “real infrator”. Entenderam? Do “real infrator”... Eles querem que o infrator coloque um nome qualquer. É bom para o “poder público” que o sujeito distribua os pontos entre familiares e continue “contribuindo”.
Se me é lícito supor, eu supondo estou que estamos diante de uma tragédia moral. É paradoxal que se possam impor limites irreais de velocidade a carros cuja tecnologia não corresponda a tão baixos desempenhos. Trata-se de lesão escandalosa ao “consumidor”, já que o Governo permite e até estimula fabricação e comercialização desses carros. Autêntica arapuca cujo gatilho dispara com a malandra colocação dos radares/arrecadadores nas grandes retas ou nas chamadas “pendentes longas”. Quanto mais “bem colocados” maior lucro darão à Empresa Particular que os explora, com total desvirtuamento da conotação pedagógica da multa.
A cidadania, para dizer o mínimo, está precisando “chamar a polícia”. Mesmo sabendo que existem leis canhestras que aparentam abonar esses truques. Evidentemente, leis que não valem porque acima delas paira uma Constituição que positivou como Fundamento do Estado a dignidade da pessoa humana! E, além de um notável Código de Defesa do Consumidor, contamos agora com um novo Código Civil que trata muito adequadamente o abuso de direito. Leis estas que advogados, promotores e juizes já começam a acionar.
O Diretor do DENIT (Departamento Nacional de Infra-Estrutura de Transportes), informa que as JARIS (Juntas Administrativas de Recurso de Infração), entupidas de processos, “não julgam multas de 3 anos atrás”! A conclusão, no jornal “Estado de Minas”, de 17/09/03, é que Minas deixa, com isto, de “arrecadar” R$60 milhões... Ou seja, a sanção por ato ilícito agora é tributo.
E o indefeso cidadão, como fica? Paga e não bufa porque ele não pode vender o veículo nem com ele transitar sem o documento. Havendo multa pendente de julgamento o Certificado não é expedido! Se isto não é abuso, o que seria um abuso?
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(Publicada no jornal LEOPOLDINENSE de 30.10.2003)
segunda-feira, 21 de junho de 2010
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