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Não
adianta a gente querer começar diferente o Ano Novo. Prometi à amiga Selminha
que voltaria às minhas intromissões impostoras no gênero Crônica, agora em
janeiro. Pois não foi que a indulgente “Tia Selma” aceitou baixar o nível do seu alinhado Bloghetto e publicar minhas bobices todas as sextas-feiras! É uma maneira dela
caçoar de mim, eu sei. Não faz mal. Guardo saltimbancos da Idade Média
impressos no DNA.
Um probleminha é
que, já para redigir a primeira página, dois constrangimentos quase me
dissuadem: o centenário de Rubem Braga, com todas essas homenagens ao maior de
todos os cronistas brasileiros mostrando, de dedo em riste, o meu lugar na
cozinha, e o mesmismo do noticiário deste janeiro, parco de assuntos
inspiradores.
Eu disse
mesmismo? Sim, mas garimpei uma exceção. Estava no Nelsinho bom de ler, também
conhecido como Nelson Motta, no jornal O Globo, de sexta, 11.
Nelson mandou lá
sobre o paradoxo de ações políticas, progressistas, que acabam gerando milhões
de reacionários. Lembrou o exemplo da Reforma Agrária de Abraham Lincoln, nos
Estados Unidos, em 1862, que, ao distribuir terras governamentais aos pobres,
transformou-os na “maioria conservadora” que passou a não querer mudar mais
nada naquele país.
Fato análogo
estaria acontecendo agora, um século depois, no Brasil: nossa nova classe
média, que passou a ter casa, carro, crédito, viagem de avião, e é
eleitoralmente decisiva, “parece ser ainda mais conservadora do que a velha”.
Ninguém quer perder o que conquistou! Os pobres de ontem viraram os conservadores
de hoje.
A análise é sem
dúvida instigante, mas pede cuidado. De fato, a discussão entre voto de direita
e voto de esquerda perdeu sentido há muito tempo no Brasil. Os últimos
esquerdistas brasileiros estão passando dos setenta anos, são contemporâneos da
invasão à Baia dos Porcos, em Cuba. Já os últimos direitistas são velhos
leitores do Gustavo Corção, que operaram catarata para continuar lendo Olavo de
Carvalho. Uns e outros, se ainda não penduraram, estão pendurando as chuteiras
ideológicas.
Tem razão o
Nelson quando verifica que a ascensão social pode levar ao desejo de
instituições sólidas, à disposição de manter (conservar) conquistas, como casa,
carro, celular, crédito, viagem de avião, roupinha “de marca”… Podendo, sim,
levar ao voto conservador.
Quando falo em
“cuidado” no exame da situação é por supor que nem sempre é apenas isto que
tem levado ao “voto de direita” no Brasil. Concorrem outras realidades menos
edificantes. Vejam, por exemplo, como votam os miseráveis maranhenses e os
miseráveis alagoanos… Aquela gente não está “conservando” coisíssima alguma além da própria indigência e interesses de seus respectivos Coronéis da área.
Quando Tim Maia –
citado por Nelsinho – diz que “no Brasil, as putas gozam, os cafetões são
ciumentos, os traficantes são viciados e os pobres são de direita”, a charada
proposta é tão verdadeira quanto complexa.
A ascendência de
nossos derradeiros coronéis interioranos sobre a massa miserável a eles
jurisdicionada, e a capacidade que ainda possuem de afrontar as próprias
instituições, tem peso importante em qualquer análise política ou sociológica
que se faça no Brasil.
Na frase lapidar
do criador de Sossego ainda caberia, por exemplo, uma sacada a mais de
reproche a CPI encerrada às pressas quando deu de desenterrar bandidos
intocáveis.
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(Publicada em http://www.bloghetto.com.br/
a 18.01.2013)
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